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ARTIGO
“É tempo de destruir direitos”
*Por José Rodrigo Rodriguez
E
stá aberta a temporada de caça aos direi-
tos, especialmente aqueles garantidos
pela Constituição de 1988.
Os clássicos do pensamento e a política con-
temporânea nos ensinam que os liberais e os
rentistas odeiam direitos. Preferem os contra-
tos, instrumento jurídico em que a liberdade
dos cidadãos e cidadãs, supostamente, preva-
lece sobre a vontade do Estado. Afinal, esta é
a melhor maneira de manter sua posição de
poder. Um contrato celebrado entre pessoas
com poder desigual quase sempre irá favore-
cer a parte mais forte.
Suponha que você precise trabalhar para co-
mer e não possua dinheiro guardado, não por
negligência, mas por que seus vencimentos
são apenas suficientes para a sua sobrevivên-
cia e a de sua família. Suponha também que
você não possua imóveis para alugar ou inves-
timentos nascidos de herança de família. Suponha que você não tenha sequer uma fa-
zenda ou casa em Paraty para onde viajar no fim de semana e, quem sabe, curtir a FLIP
e passear de barco. Ou seja, suponha que sua riqueza e seus bens tenham sido obtidos
apenas com o seu trabalho.
Uma situação como essa pode soar fictícia para muitos leitores e leitoras desta coluna.
Mas creiam emmim, muitas pessoas passam por ela. Desempregada, uma pessoa nessas
condições terá pouco espaço de manobra. Vai precisar de trabalho rápido e tenderá a
aceitar quase tudo o que seu possível empregador exigir.
Impedida de empreender por falta de capital e de acesso ao crédito barato do BNDES,
sem apoio financeiro do Estado para aguardar com calma uma boa colocação e, eventu-
almente, estudar para aumentar suas habilidades e, assim, melhorar sua produtividade,
pode-se dizer que uma pessoa nessas condições será vítima de qualquer contrato que
venha a assinar.
E quanto menos direitos ela tiver, quanto maior a “liberdade” das partes, menor será o
seu poder de barganha na hora do “desespero”, desespero este, que é o seu modo nor-
mal de viver. Destruir direitos, portanto, é tornar mais fracos todos aqueles e aquelas que
já são fracos. E depois do livro de Thomas Piketty, o Capital no Século XXI, sabemos que a
meritocracia é uma grande farsa à serviço do status quo. O capitalismo tem servido ape-
nas para manter a riqueza nas mãos de quem sempre foi rico.
A pior maneira de ganhar dinheiro sob o capitalismo é trabalhando duro de Sol a Sol.
Porque quem manda nos rumos da economia e fica com a parte do leão são os rentis-
tas e os proprietários, cujo poder nunca esteve sob ameaça. E ficará ainda mais forta-
lecido com o atual processo de destruição de direitos.
A destruição de direitos, dizem alguns economistas, irá trazer para a legalidade todo
um mercado ilicitamente contratualizado, por exemplo, por meio de pessoas jurídi-
cas. Também irá favorecer a criação de novos postos de trabalho. Afinal, quanto me-
nos direitos, mais fácil e mais barato será contratar e demitir alguém.
É difícil acreditar nessa história. Não há estudos confiáveis sobre o efeito da destrui-
ção de direitos sobre a criação de trabalho. Não há estudos confiáveis sobre os efei-
tos futuros de mudança institucional alguma. Qualquer conversa cheia de certezas
nesse campo é “wishful thinking” ou ideologia na forma mais pura.
Parece razoável supor, no entanto, que uma empresa irá sempre buscar baixar seu
custo e aumentar seu lucro. Quanto mais poder para contratar ela tiver, mais poder
para contratar ela irá exigir. E qual seria o limite “razoável” para este poder?
É preciso lembrar que empresas não são seres humanos. Elas não pensam moralmen-
te ou eticamente, não agem de forma “razoável” ou de acordo com o “bom senso”.
Não são “simpáticas” ou “descoladas”. São apenas negócios. A função da empresa
é gerar lucro e ponto final. Qualquer limite ético ou moral para a sua atividade deve
ser imposto de fora por meio do direito, garantido por instrumentos de violência le-
gítima. Na falta desta possibilidade, moral e ética se transformam em meras histórias
para adormentar bovinos. Pois o livre-mercado é totalmente incompatível com qual-
quer ideia de direito que seja levemente diferente do respeito cego à vontade dos
contratantes.
Destruir direitos é alterar a balança de poder, conferindo mais poder aos indivíduos,
menos poder ao Estado. Mais poder aos rentistas, menos aos trabalhadores. Mais
poder a quem contrata trabalho e menos poder a quem vive de trabalhar. O mesmo
raciocínio se aplica para direitos de qualquer natureza. Por exemplo, direitos que tra-
tam de mulheres, negros e negras e questões relativas a grupos de LGBT.