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ARTIGO
Acordo de leniência e o
combate à corrupção
Por André Luiz Bonat Cordeiro,advogado,
mestre em Direito Empresarial,
A
nova proposta de regulamentação dos acordos
de leniência encaminhada ao Congresso Nacio-
nal deve ser apreciada com maior entusiasmo.
A Medida Provisória 703/2015 que tratava do tema não
foi votada e perdeu a validade. A justificativa foi o ques-
tionamento quanto à falta de previsão no seu texto da
participação efetiva doMinistério Público Federal (MPF)
nos acordos celebrados. Era provável que tal fato invia-
bilizaria a aprovação damedida, pois, emse tratando de
direitos afetos à área pública, a participação do MPF na
celebraçãodos acordos seriaprovidênciaútil, sobretudo
para que não se questionasse depois a legitimidade dos
acordos porventura surgidos.
Não há como negar que, se houvesse sido exigida a par-
ticipação do MPF na proposta anterior, nada mais seria
questionado. Isso demonstra o despreparo dos autores
da medida. A falta de atuação conjunta em tais acordos
poderiadar espaçoadivergênciasquenãosãosalutares,
especialmente para as empresas que celebrarempactos
dessa natureza.
Oacordode leniênciaé institutoqueauxiliaaLei Anticor-
rupçãoe servede instrumentode efetivaçãode sanções
muitomais relevantesemprol doEstadoedasociedade.
Como exemplo, temos a Operação Lava Jato que resga-
tou, com os acordos, cerca de R$ 5 bilhões de recursos
desviados e apurou o envolvimento de 16 empresas,
sendo nove delas as maiores empreiteiras do país.
Emboramuitos critiquemaprópria inclusãodos acordos
de leniência na Lei Anticorrupção, os efeitos práticos vi-
sados pelo legislador demonstramser correta sua previ-
sãodentreasmedidas. Aprofundando, opactoseriame-
dida pós-corrupção com efeitos reparatórios. O acordo
temcomocaracterísticao reconhecimentodapessoa ju-
rídica na participação da infração e a colaboração nas in-
vestigações, identificando envolvidos, apresentando documentos que comprovemo ato, além
de reparar integralmente o dano causado. Nada mais factível, portanto, comomecanismo prá-
tico de se reduzir os danos decorrentes de atividades ilícitas.
Alémdisso, o acordo pode sermedida adequada à reabilitação de empresas comgrande exper-
tise emsuas áreas de atuação e bompotencial de retomar suas atividades. Naturalmente que a
previsão de sanções severas nos pactos que envolvam tais empresas é medida imprescindível.
Qualquer infraçãoporventura cometida de forma reincidente deve ser combatida commáximo
rigor pelo poder público, especialmente pelo Poder Judiciário.
Nesse ponto, muito se fala em impedimento de atuação dessas empresas emnovos processos
licitatórios como maneira efetiva de punição. No entanto, a abertura do mercado de licitações
para novas empresas deve ser estudada com cautela, pois, assim como pode ajudar a retomar
as obras públicas, pode prejudicá-las ainda mais. Se tomarmos como paradigma grandes obras
executadas por empresas estrangeiras em outros países, poderíamos afirmar que tais empre-
sas têmconhecimentos técnicos avançados e sãocapazes de contribuir comobras e serviços de
que o Estado brasileiro necessita. É inquestionável que grandes obras empaíses desenvolvidos
sãomais rapidamente emelhor executadas do que ocorre aqui.
Entretanto, o problema não é apenas a capacidade das empresas contratadas agilizarem as
obras, mas sim a falta de rigor no controle da execução de tais contratos. Em outros países, o
agente público fiscalizador é muito mais eficiente do que as falidas – ou corrompidas – institui-
ções de fiscalização existentes no Brasil.
Aqui, ao invés de fiscalizar o contrato, o agente está mais interessado em dificultar a ativi-
dade da empresa contratada. Isso tudo torna o contrato mais caro, seja para o particular
(que já sabe de antemão que haverá custos extras durante a execução), seja para o Estado,
enquanto contratante.
Por outro lado, é ingenuidade afirmar que a aberturadas obras públicas – coma indevidaflexibi-
lizaçãona Lei de Licitações – para empresasmenores ajudaria resolver dificuldades que surgem
em algumas contratações. Desburocratizar a forma de contratação e reduzir as exigências nas
licitações, especialmente acerca dos requisitos de capacitação técnica e econômico-financeira
dos licitantes, pode levar à contratação de empresas sem a necessária capacidade técnica ou
os recursos mínimos necessários para cumprir o contrato adequadamente. Ou seja, o risco de
abandono oumá-execução do contrato seriamajorado.
As medidas ditadas pela moderna legislação dos acordos de leniência e anticorrupção são ne-
cessárias. É relevante que as empresas tenhamemmente que a nova realidade legislativa é pro-
cesso sem volta. Daqui emdiante, a fiscalização e punição tendem a aumentar, de modo que a
adequada implementação de programas de compliance dentro das companhias seria amedida
inicial a ser tomada por qualquer empresário cauteloso.