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ARTIGO
Existe proteção jurídica para
os aquíferos brasileiros?
Por Evandro A. S. Grili, advogado
E
m 1988, quando foi promulgada a Constitui-
ção Federal, os nossos deputados eleitos para
compor a Assembleia Nacional Constituinte
não tinham qualquer ideia acerca da existência do
Aquífero Guarani. Os constituintes não tinham a di-
mensão de que poderia haver um oceano de água
doce sob os nossos pés, em extensão ininterrupta
por vários Estados brasileiros e países da América
do Sul.
Mas ainda assim a Constituição Federal classificou
as águas subterrâneas como propriedade dos Esta-
dos brasileiros. Havia aquele apego à ideia do lençol
freático, algo com limites bem definidos, que não ul-
trapassaria grandes extensões.
Ocorre que os estudos geológicos e hidrogeológi-
cos já mostraram que o Aquífero se estende por
quase todo o centro sul brasileiro, estando ainda
sob o solo dos países do Mercosul.
É interessante observar como o legislador consti-
tuinte de 1988 tratou as águas de titularidade fe-
deral. Sempre que um curso d´água serve de divisa
entre Estados ou com algum País vizinho, a Consti-
tuição estabelece esse recurso hídrico como bem da
União.
Porque no caso das águas subterrâneas seria dife-
rente? Porque não se tinha a exata dimensão que
os Aquíferos poderiam ter, espalhados por vários
Estados e outros países. Este fato pode acabar en-
sejando inúmeras leis diferentes, com critérios dife-
rentes, ora com proteções aquém do necessário, ora com exageros legislativos de toda
ordem.
Assim, nos parece que o primeiro passo seria uma Emenda à Constituição para se deter-
minar a titularidade sobre águas subterrâneas que se situam emmais de um Estado como
bens de propriedade da União Federal.
Enquanto esta legislação federal não surge, vão ficando pelo caminho uma série de re-
mendos aqui e ali, a grande maioria deles sem muito respaldo legal e sujeitos a todo tipo
de questionamento judicial.
A Câmara Especial de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, recentemente,
afastou pleito do Ministério Público de proteção ao Aquífero Guarani em cidade do inte-
rior paulista, justamente pelo fato de que não existia lei prevendo a proteção pretendida
pela Promotoria de Meio Ambiente. O Tribunal manteve a restrição de lei municipal que
era inferior ao que pretendia o órgão ministerial e ainda atestou, taxativamente, que a
proteção do Aquífero deve ser tomada por meios de leis federais e até mesmo tratados
internacionais entre os países envolvidos.
Estes vazios legislativos deixam os órgãos ambientais sem respaldo para agir, criam inse-
gurança jurídica para o setor privado, para as Prefeituras no que tange à ocupação urba-
na em áreas de recarga do Aquífero.
É preciso que nossos Congressistas se ocupem deste tema, emendem a Constituição e
estabeleçam legislação federal criando regras uniformes e únicas para todas as regiões
brasileiras que tem essa fantástica fonte de água ao seu dispor, evitando uma colcha de
retalhos legislativa.
Feita a lição de casa em território nacional, caberá ao Brasil, na qualidade de líder econô-
mico e político no Mercosul, cobrar e influenciar os demais países a seguirem o mesmo
caminho, fazendo com que o Tratado já firmado no âmbito do Mercado Comum do Sul
seja efetivamente implementado por todos os países signatários.