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POSICIONAMENTO
Nota da força-tarefa
Lava Jato sobre Lei de
Repatriação de Recursos
A
força-tarefa Lava Jato do Mi-
nistério Público Federal no Pa-
raná (MPF-PR) vem a público
manifestar sua preocupação com pro-
postas de alteração na Lei de Repa-
triação de Recursos (lei 13.254/2016),
especialmente com a possibilidade de
serem criadas janelas de impunidade
para crimes graves.
Essa lei, de janeiro deste ano, instituiu
um programa de repatriação com o
objetivo explícito de promover a arrecadação de tributos e de multa, mediante a regu-
larização de valores mantidos no exterior de origem lícita e que não foram declarados.
Para incentivar a regularização, a lei estabeleceu que crimes de falsidade, sonegação e
evasão de divisas relacionados aos recursos, assim como a lavagem de dinheiro oriunda
desses crimes específicos, não serão objeto de punição. Outros crimes continuariam a ser
passíveis de punição, incluindo corrupção e lavagem de ativos provenientes dela. Um dos
problemas da lei, em sua redação vigente, é que não exigiu qualquer prova da fonte lícita
dos recursos. Isso possibilita que valores mantidos na conta de um
testa-de-ferro de um agente corrupto possam ser repatriados, sem indagação quanto
à origem dos recursos. A título de aprimoramento, seria pertinente exigir alguma indi-
cação concreta, passível de conferência, para a origem do dinheiro, bem como infor-
mar o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) sobre todos os casos de
repatriação, a fim de que o órgão possa identificar eventuais indicativos da prática de
crimes mais graves.
Agora, passados quase dez meses da promulgação da lei, estão sendo discutidas alterações
que são bastante preocupantes. Uma delas é o fim da vedação dos benefícios da lei a ser-
vidores públicos, políticos e seus parentes, o que pode ser um instrumento para diminuir
as penas aplicáveis na própria Lava Jato. A proposta vai ao revés das normas internacionais
que demandama criminalização do enriquecimento ilícito de servidores públicos. Tratando-
-se de servidores públicos e políticos – pessoas de quem se espera um comprometimento
mais significativo com a lei do que se espera do cidadão comum -, o correto é tornar crime
a existência de patrimônio cuja origem lícita não possa ser comprovada, em vez de anistiar
os crimes fiscais decorrentes da existência de patrimônio não declarado.
Outra sugestão muito perturbadora, veiculada na imprensa, é a possibilidade de anistia in-
clusive para aqueles que já foram condenados por crimes relacionados aos recursos a se-
rem repatriados, desde que o processo não tenha transitado em julgado. Se aprovada, tal
medida impactaria profundamente situações de lavagem praticadas por centenas de dolei-
ros há décadas, inclusive no caso Banestado, já que processos de réus de colarinho branco
se arrastam na justiça por décadas. Doleiros são operadores profissionais da lavagem de
dinheiro que, na maior parte dos casos, quando não decidem colaborar com a justiça, são
processados por crimes financeiros e tributários, ainda que tenham lavado recursos oriun-
dos de corrupção e tráfico de drogas, o que é, em geral, difícil de descobrir e comprovar.
Outra mudança noticiada pela imprensa é o pagamento dos tributos e da multa sobre o
saldo dos recursos na data de 31 de dezembro, independentemente do montante global
dos valores aportados no decorrer do tempo. Caso o objeto da lei fossem crimes de furto
e o ladrão tivesse subtraído R$ 1 mil por semana, ao longo de cem semanas, totalizando
R$ 100 mil, mas tivesse gasto R$ 99 mil, mantendo saldo de R$ 1 mil ao fim do ano, ele se-
ria cobrado como se tivesse furtado apenas R$ 1 mil, e não sobre o total que ele desviou.
A analogia expressa a injustiça da proposta em desfavor da sociedade, que foi vítima dos
crimes. Além disso, pela lei, os crimes relacionados a todos os valores serão extintos, e
não apenas os crimes relacionados ao saldo. Essa proposta de alteração vai ainda contra
o próprio propósito da lei, que é a arrecadação tributária, pois sacramenta a sonegação
de todos os valores recebidos que não compõem o saldo existente ao final do ano.
Por fim, causa preocupação a extensão do prazo para participação no programa, pois, em
vez de simplesmente ampliar a arrecadação, a realização de prorrogações pode caracte-
rizar um incentivo à permanente ilegalidade.
Tudo isso conduz a força-tarefa a reafirmar sua confiança de que o Congresso Nacional
não permitirá a inserção de mudanças na lei que incentivem a corrupção e a impunidade
e alertar a sociedade sobre os riscos das propostas que têm sido divulgadas, com o ob-
jetivo de contribuir para o debate e a transparência e preservar as investigações do caso
Lava Jato.