Revista Ações Legais - page 56-57

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ARTIGO
Superficialidade que pode
levar à morte
Foto de Eduardo Araújo
Por Amanda Bernardes, advogada,
especialista em Defesa Médica
O
Brasil é o segundo país em realização de ci-
rurgias plásticas com fins estéticos no mun-
do, atrás apenas dos Estados Unidos. Ao se
abordar apenas os procedimentos estéticos, foram
realizadas 1,22 milhões de cirurgias no país. O traba-
lho de excelência é reconhecido mundialmente e o
setor tornou-se referência de qualidade pelo globo.
Se a procura por cirurgias plásticas no Brasil é alta,
o padrão do trabalho dos profissionais do país é
maior. Justamente por isso, não são raros os profis-
sionais de outras nacionalidades que vêm ao país em
busca de especialização, tampouco a quantidade de
estrangeiros que preferem ser operadas aqui.
Apesar das estatísticas favoráveis, porém, ainda há
quem prefira apostar no barato que sai caro. No úl-
timo ano, foram registradas 15 mortes de brasilei-
ras que teriam ido até a Venezuela para passar por
procedimentos cirúrgicos estéticos, duas delas, só
em setembro. Infelizmente, as mortes e os danos a
essas brasileiras estão diretamente atreladas a cer-
ta superficialidade com que o assunto é tratado no
Brasil.
Essa superficialidade do tema pode ser vista, até
mesmo, no Direito, que falha ao caracterizar a obri-
gação da especialidade como de resultados, a partir
de dois fundamentos: o médico não estaria traba-
lhando em um organismo doente e sim hígido; e a
cirurgia não seria considerada terapêutica, mas sim
pura vaidade.
Esses dois fundamentos utilizados para caracterização da obrigação do cirurgião plástico
como de resultados, certamente, são erroneamente interpretados por quem têm busca-
do por cirurgias plásticas “mais baratas” na Venezuela. É certo que tal caracterização cria
a interpretação enganosa de que se trata de procedimentos simples, sem riscos. Mas não
se pode, ora, simplificar a cirurgia plástica como a realização de um desejo, como “quero
o nariz da Gisele Büdchen, o médico deve me entregar esse resultado”.
Em primeiro lugar, engana-se quem acha que procedimentos estéticos são isentos de ris-
cos. A imprevisibilidade que cerca a atividade médica é comum a todas as especialidades.
Sendo assim, a cirurgia plástica está sujeita às mesmas intercorrências a que os pacientes
estão expostos em outros tratamentos.
Além disso, se outrora diziam que tais procedimentos estavam ligados apenas à vaidade,
é sabido que, mesmo havendo o viés estético, não se pode descartar o fim terapêutico.
Tais intervenções são também verdadeiros tratamentos aomal psíquico, como o cerne da
moderna definição de saúde feita proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
A obrigação do médico, em qualquer especialidade, tem por objeto a assistência ao pa-
ciente, comprometendo-se a empregar todos os recursos a seu alcance, atuando confor-
me literatura médica, com zelo e cuidado. No entanto, não há como garantir sucesso. O
cirurgião, nesse ramo ou em quaisquer outros, não tem como prever todos os resultados,
pois eles são também oriundos das condições multifárias do organismo humano.
Observo que há, ainda, certo preconceito e lentidão por parte do judiciário ao se deparar
com novos fatos sociais. Falta ao judiciário, e aos juristas, maior interação com o cenário
atual e a conscientização do verdadeiro fundamento da justiça, despedindo de pré-supo-
sições, pois é certo que a cirurgia puramente estética se submete aos mesmos fatores de
qualquer outro procedimento. Há questões intrínsecas e individuais do organismo que,
por vezes, são incompreensíveis e imprevisíveis; como os desejos humanos.
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