37
Com honrosas exceções, o debate vem sendo feito por meio de artigos de opinião, sem um
maior aprofundamento dogmático. Alémdisso, parte das críticas denota disputas pessoais,
que em nada contribuem para o debate técnico.
De todo o modo, cabem três críticas genéricas à proposta. Primeiramente, opta-se pela re-
versão da unificação legislativa do direito privado, uma guinada ocorrida com o advento do
Código Civil de 2002. Chama a atenção o fato de que, agora, exalta-se a necessidade de um
código que ressalte valores próprios do Direito Comercial – em oposição ao Direito Civil –
quando, poucos anos atrás, o legislador claramente optou pelo caminho inverso.
Não está em questão aqui a autonomia material ou dogmática do Direito Comercial, algo
que raramente se nega. O problema é a impressão de casuísmo legislativo, do legislar ao
sabor das conveniências e semque se dê o tempo necessário para que certas decisões mos-
trem sua serventia ou provem-se equivocadas. Com efeito, muitas vezes é apenas o desen-
volvimento jurisprudencial – que no Brasil, por circunstâncias diversas, é bastante lento –
que pode demonstrar se determinadas opções legislativas foram acertadas, se demandam
correções por meio de interpretação extensiva ou restritiva ou, ainda, se a sua reforma pela
via legislativa é inexorável.
A nova codificação do Direito Comercial representa também um duro golpe nos objetivos
que haviam justificado o Código Civil por uma segunda razão. O capítulo deste último relati-
vo ao direito das obrigações já surgiu esvaziado, na medida em que boa parte das relações
jurídicas que originalmente deveria regular passou a ser objeto do chamado “Código” de
Defesa do Consumidor, que entrou em vigor alguns anos antes. Assim, as relações entre
empresas e consumidores escapam às regras do Código Civil, cuja aplicação nesse caso é
apenas subsidiária. Com a entrada em vigor do novo Código Comercial, o esvaziamento
seria quase completo, pois também as relações entre empresas não estariammais sob sua
égide. Restariam reguladas pelo Código Civil as relações “entre consumidores”, que repre-
sentam uma parte ínfima do total.
Por fim, o projeto é paradoxal, uma vez que procura, por um lado, conferir maior segurança
e previsibilidade às relações entre empresários, inclusive restringindo determinadas cláu-
sulas abertas do Código Civil, ao mesmo tempo em que se estrutura sob princípios, com os
quais busca “recoser os valores do Direito Comercial”. Esses princípios são didaticamente
definidos no projeto, com o que se procura eliminar incertezas e afirmar os elementos cen-
trais do Direito Comercial. Entretanto, a enunciação e definição legal de princípios pelo le-
gislador é algo questionável. Mais promissora é a tarefa de desenvolvimento de um sistema
e de uma dogmática jurídica por doutrina e jurisprudência, em constante diálogo.
Códigos são conquistas e legados culturais. Não se limitam, nesse sentido, ao ato legal pelo
qual esses diplomas entram em vigor, mas abrangem toda a construção dogmática sub-
sequente, pelo qual seus institutos são interpretados e reinterpretados ao longo de gera-
ções. Sua constante modificação por completo, com idas e vindas conforme a tendência e
o discurso em voga, sem maior consideração às suas possibilidades de realização no longo
prazo, pode representar perdas que superam, emmuito, as vantagens apontadas.
Por Ivens Henrique Hübert, doutor em
Direito Societário e mestre em Direito
Comercial pela PUC/SP