Revista Ações Legais - page 48-49

48
49
ARTIGO
Desnaturalização da
violência do assédio sexual
N
os Estados Unidos, mais de trezentas mu-
lheres do ramo do entretenimento, den-
tre atrizes, diretoras, executivas, escri-
toras, produtoras, se uniram para uma iniciativa
pioneira destinada ao combate do assédio sexual
em Hollywood - a Time’s Up – com o objetivo de an-
gariar fundos para ajudar as trabalhadoras que são
alvo desta prática a se protegerem e a receberem
suporte às denúncias realizadas. Não há mais tempo
de silêncio! Não há mais tempo de espera! Não há
mais tempo de tolerar a discriminação, o assédio e o
abuso! Assim clama o “Time’s Up” a angariar recur-
sos. Sororidade e solidariedade marcam a iniciativa,
que são as mais poderosas armas do feminismo no
momento.
Para o dicionário americano Merriam-Webster, a
busca pela palavra “Feminismo” aumentou em 70%
em 2017 e foi a escolhida do ano; a revista Time ele-
geu como personalidade do ano as mulheres do mo-
vimento #metoo da internet; foram as “silence bre-
akers” de Hollywood que deflagraram as investidas
do produtor Harvey Weinstein.
No Brasil, “mexeu com uma, mexeu com todas”
descortinou o movimento das globais contra o as-
sédio sexual dos bastidores da TV; o caso do ônibus
da Paulista trouxe à tona os buracos do sistema de
Justiça e a necessidade de uma reforma urgente; até
o Itamaraty se mobiliza diante de acusações de as-
sédio sexual de um embaixador contra diplomatas
brasileiras, instaurando procedimento administrati-
vo às vésperas do lançamento de uma cartilha justamente sobre o tema.
A iniciativa “Time’s Up” é um sucesso nos Estados Unidos. Em apenas um dia no ar, atin-
giram quase a meta de quinze milhões de dólares.
Enquanto isso, as mulheres brasileiras contam com regressos e pouca proteção, apesar
da esperança de que em 2018 a situação deva melhorar. O crime de assédio sexual, pre-
visto no artigo 216-A do Código Penal, foi introduzido pela Lei n. 10.224/01 e tem pena de
detenção, de um a dois anos, sendo restrito ao fato ocorrido no ambiente do trabalho.
Depende de representação da vítima e aplicável a Lei 9.099/95, ou seja, cabíveis a tran-
sação penal, a suspensão condicional do processo e a extinção da punibilidade com a
composição dos danos civis. Não necessariamente o fato será objeto de ação penal ou
mesmo ocorrerá a aplicação de uma pena criminal.
Dentre as mudanças trazidas pela Lei n. 13.467/2017 na CLT - Consolidação das Leis do Tra-
balho, em seus artigos 223-A e seguintes, a reparação indenizatória a quem sofre danos
– e neste cenário está incluído o assédio sexual – será proporcional ao salário do traba-
lhador. Fala-se em “castas do assédio” em que a dignidade da mulher será medida pelo
tamanho do seu salário.
Ainda é preciso trabalhar pesado para medir o assédio sexual no ambiente do trabalho –
inclusive no âmbito da Justiça Criminal - e compreender todas as suas nuances, mas é fato
que atinge mais mulheres do que homens.
Em seu relatório “Sexual harassment at work: National and international responses”, a
Organização Internacional do Trabalho vai além da informação de que este tipo de vio-
lência atinge mais mulheres. Mostra quais são as mais vulneráveis que estão mais suscetí-
veis ao assédio: as financeiramente dependentes, as jovens, solteiras, separadas, viúvas,
divorciadas e migrantes. E também que o local onde a mulher está empregada é um fator
de maior ou menor probabilidade de sofrer o assédio: empregos não tradicionais e am-
bientes predominantemente masculinos, além das mulheres que trabalham para super-
visores masculinos.
Em 2015, a Rede Globo de Televisão exibiu a série “Verdades Secretas”, de Walcyr Carras-
co, que explorou o assédio e a prostituição do mundo das modelos. Era o “book rosa”
um dos assuntos mais comentados, um catálogo de modelos disponíveis para ter rela-
ções sexuais com os seus clientes em troca de dinheiro, prêmios ou mesmo vantagens
profissionais. Fala-se também de outra prática comum no ramo do entretenimento, o tal
do “teste do sofá”, nada mais do que a naturalização do assédio sexual, consistente na
exigência de sexo em troca de papeis em filmes, promoções ou trabalhos de modelo às
aspirantes nas respectivas profissões.
1...,28-29,30-31,32-33,34-35,36-37,38-39,40-41,42-43,44-45,46-47 50-51,52-53,54-55,56-57,58-59,60-61,62-63,64-65,66-67,68-69,...
Powered by FlippingBook