Revista Ações Legais - page 100-101

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ARTIGO
STF: entre o direito e
o poder-dever de não
errar por último contra a
Constituição
Por Márcio Soares Berclaz, doutor em
Direito e professor de Processo Penal
D
ecisão ruim, qualquer que seja, sempre deve
ser revista, especialmente quando repercute
e viola direitos fundamentais relacionados à li-
berdade. Não importa onde, não importa como: ape-
nas quando. Estabilidade e "segurança jurídica" de-
vem ceder quando se está diante do erro, quando se
sabe - ou se deveria saber - que o limite da linguagem
e do "texto" da norma foi franca e vergonhosamente
ultrapassado em prol de um "programa" eficientista-
-utilitarista em nome de um arbitrário alargamento
do presente (o mesmo que, esquecendo o passado,
compromete o futuro). Não só ao jurista, mas ao ci-
dadão em geral, há de interessar a compreensão de
que uma das garantias processuais penais mais im-
portantes e estruturantes passa pela presunção de
não culpabilidade, tal como inscrito no imperativo
comando do artigo 5o, LVII, da Constituição: "nin-
guém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória". É frágil e
insustentável a posição atual de uma frágil "maioria"
do Supremo Tribunal Federal, que, rompendo com
quase duas décadas de tradição constitucional, des-
de o julgamento do Habeas Corpus 126.292, e com
continuidade no julgamento das Ações Declaratórias
de Constitucionalidade n. 43/44, resolveu permitir a
execução provisória da decisão penal condenatória, de modo explicitamente contrário
ao texto da Lei Maior da República.
A garantia de que a culpa só se tem por definitivamente construída quando se trata de
uma condenação não mais submetida a qualquer tipo de recurso integra o postulado da
presunção da não culpabilidade. Há de se reconhecer a irreversibilidade de pretender-se
executar uma sanção ainda não acabada e, portanto, sujeita à revisão, quando não à anu-
lação. Para um ordenamento jurídico-constitucional que, desde 1988, optou pelo rigoro-
so critério do "trânsito em julgado" e não pela simples ideia de "duplo grau de jurisdição",
não se admitem atalhos. Esses açodamentos, infelizmente tão próprios aos tempos de
exceção, sempre cobram um alto preço para a democracia.
Uma Corte Constitucional existe justamente para exercer filtro e controle de legitimida-
de de tudo que pode se mostrar contra a Constituição, não para fomentar o desrespeito
a valores constitucionais. É justamente porque "não se pode dizer qualquer coisa sobre
qualquer coisa", como ensina Lenio Streck, que essa inaceitável "mutação constitucional"
precisa ser modificada. Até lá, não haverá paz hermenêutica e estará o STF na condição
não mais de "guardião", mas de carrasco dos limites semânticos da própria Constituição
cuja força normativa deveria ser o primeiro a zelar.Um problema que o STF criou, como
se poder constituinte fosse, uma "interpretação contra a Constituição", é o próprio STF
que precisará resolver rediscutindo o assunto colegiadamente. O respeito a uma garan-
tia constitucional não pode estar a mercê de um verdadeiro lance de sorte (ou azar): a
concessão ou não da liminar a depender de quem julga. Fazer isso não implica de modo
algum em "apequená-lo", muito pelo contrário. Se essa não é uma "expectativa social",
certamente é uma necessidade jurídica. Corrigir erros é a lição de humildade democrática
compulsória para quem tem o poder de dizer e decidir o direito por último e que, justa-
mente por isso, nesse mister, deve evitar errar por último, especialmente quando esse
erro é grave e flagrantemente predatório da Constituição (e, via de consequência, da
própria ideia do que seja o Direito).
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