ARTIGO
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possível cobrar, alémdamulta por atraso, uma indenização pelomesmomotivo (por exemplo,
equivalente ao aluguel que deixou de receber). O tema foi muito debatido entre os ministros e
a decisão não foi unânime. Emespecial, foi salientado que há uma diferenciação técnica entre a
multa (cujo caráter é punitivo) e a reparação pela indisponibilidade do bem(cujo caráter é repa-
ratório). Tanto são diferentes que amulta que é paga porque alguématrasa umboleto é devida
mesmo semqueo credor preciseprovar dano. Noentanto, para esta situaçãoespecífica a corte
considerou quemulta e indenização, demodo geral, tornaram-se equivalentes.
Não fica claro se apenas multas baseadas em“equivalente locativo”, como diz a tese – ou seja,
que levam em conta o valor do aluguel – é que seguirão esta regra. Igualmente, sob uma ótica
mais técnica, afirmar quemulta temcaráter de indenização é umprecedente nomínimo delica-
doepodeafetar contratosdasmaisdiversas áreas. Espera-seque futurasdecisões solucionema
possível confusãode institutos jurídicos; do contrário, corre-seo riscode criarmuitomais litígios
que soluções. Alémdisso, ao se definir que não se pode pleitear multa e indenização aomesmo
tempo, será preciso esclarecer se o comprador poderá optar entre ume outro, o que não ficou
totalmente claro, mesmo porque, no Direito brasileiro, com raríssimas exceções, não se admite
limitação do valor de reparação de danos em relações de consumo.
O tema 971 procurou lidar como fato de que os contratos de compra e venda muitas vezes es-
tipulammultas apenas emfavor da construtora, semque haja uma previsão similar para a situa-
ção emque o descumprimento ocorre pela construtora. Admitiu-se que se use amulta da cons-
trutora como parâmetro emfavor do comprador, semexplicar exatamente o que isso significa.
Mesmoapós ter adiadoo julgamentoparamelhorar a linguagemempregada, oSTJ não chegou
auma redaçãosuficientemente claraquantoaomododeaplicaçãoda tese consagradano julga-
mento. A simples aplicação de umamulta igual para situações diferentes não funciona. Assim, a
mesma multa de 1% pode ser justa para o atraso no pagamento de uma prestação em dinheiro
devida pelo comprador, mas questionável em relação à construtora, cuja prestação é o valor
total do imóvel.
Em outros termos, a premissa é boa, mas a prática pode ser mais complicada. À primeira vista,
não parece razoável que o comprador pague umamulta quando atrasa, mas que inexistamulta
quanto o atraso é da construtora. Por outro lado, a possibilidade de adotar amesmamulta para
as duas situações não necessariamente é a melhor solução, como aliás o próprio STJ sinalizou
no julgamento. Basta lembrar queoTribunal de JustiçadoestadodeSãoPaulo tinhauma súmu-
la prevendo a impossibilidade da inversão damulta.
Por fim, é preciso observar que os julgamentos dos temas 970 e 971 não levaramemconta a Lei
13.786/2018, que estabeleceu muitas novidades em caso de desfazimento da compra e venda.
Esse cenário, em que a legislação mais recente não foi considerada, deixa uma grande dúvida
sobre como serão interpretados os contratos celebrados na vigência desta nova lei.
Por Gabriel Schulman, doutor em Direito,
é advogado e coordenador da Pós-
Graduação em Direito Imobiliário da
Universidade Positivo