ARTIGO
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que vá além do tempo da prescrição implicaria na extinção da punibilidade. Um habeas
corpus de meia página faz com que se tranque uma investigação que transcenda o prazo
prescricional. A lei parece voltada para a renovação dos prazos de 30 dias em casos que
não se consiga obter os dados necessários ao exercício da ação penal. Sucede que esses
prazos sempre puderam ser renovados quando ainda não estão preenchidas as condições
da ação (notadamente a justa causa) ou ainda não se possuem os elementos necessários
ao preenchimento dos pressupostos de validade da denúncia (identificação do acusado
e dados que permitam descrever o fato com todas as suas circunstâncias). Agora está
sendo exigida uma justificativa adicional em termo vago. O que é estender injustificada-
mente? Quer dizer que a investigação não pode seguir mesmo antes de esgotado o prazo
prescricional e mesmo quando ainda não se tenham as condições da ação e pressupostos
de validade da denúncia? O quanto de justificativa será necessário para dar continuidade
à investigação? Hoje basta que não se tenha as condições da ação ou as informações ne-
cessárias para preencher os pressupostos de validade da denúncia para que seja possível
ainda seguir investigando. O que se interpretará a partir daqui?
E mais do que isso. É preciso compreender a realidade da justiça criminal brasileira, desde
sempre sucateada. O novo tipo penal põe em risco os cargos de delegados, promotores
e juízes, que têm, em cotidiano, um universo gigantesco de procedimentos criminais aos
seus cuidados. A qualquer um que trabalhe na justiça criminal é de conhecimento que a
estrutura não dá – nunca deu – conta do volume de serviço. A nova lei exige que se ana-
lise investigação por investigação e se justifique se teria ou não uma razão adicional para
prorrogá-la passados 30 dias, para além do que dizem os prazos prescricionais hoje. É
possível imaginar que esteja gerando certo desespero aos delegados de polícia porque,
como dito, há um sucateamento generalizado das polícias civis, e isso é crônico no Bra-
sil. No estado do Paraná, por exemplo, dos 399 municípios, 270 não têm um delegado
de polícia, o que significa dizer que um delegado está atendendo quatro, cinco, seis, até
treze (!) municípios ao mesmo tempo. Dos 780 cargos de delegado de polícia criados por
lei no Paraná apenas 392 estão preenchidos e não há previsão de novas contratações.
De acordo com dados oficiais da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, só em 2018
foram formalizadas notícias crime em 1.183.265 de novos casos. Isso dá uma média de
3.018 novos inquéritos policiais a cada ano por delegado. Sim, não é possível esquecer
dos casos de anos anteriores. E isso sempre foi assim desde quando se criou a primeira
polícia no Brasil em 1808 com Dom João VI e seguirá sendo. Uma sobrecarga de trabalho
absurda, gigantesca, sendo humanamente impossível ao delegado conseguir fazer essa
análise individualizada dos inquéritos policiais porque está cuidando de 3, 4, 5 mil inquéri-
tos policiais, com prazos formais de encerramento de 30 dias, onde ele pediria renovação
por mais 30. Quer dizer, para pedir a renovação por mais 30, ele teria que se debruçar
sobre 4 ou 5 mil inquéritos policiais em 30 dias e dizer, em cada um deles, porque ele en-