ARTIGO
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tende que, justificadamente, é necessário renovar por mais 30, sob pena de, não fazen-
do, cometer um crime. Se forem 4 mil inquéritos sobre seus cuidados, dá uma média de
133 inquéritos analisados e justificados os pedidos de renovação por dia, isso se ele não
folgar aos sábados, domingos ou feriados. E não tirar férias. Ou seja, a nova lei vai fazer
com que praticamente todos os delegados de polícia do país, assim que aprovada a lei,
passados 30 dias, corram o risco de incidir nessa prática penal e o mesmo pode ser dito
dos promotores de Justiça e juízes que concordariam com a renovação por mais 30 dias
sem a necessária justificativa pormenorizada. A menos que eles não façam outra coisa a
não ser ficar justificando porque não foi possível encerrar em 30 dias ou se construa uma
interpretação que os isente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Mas,
até lá, quem vai seguir investigando e se despreocupar com as justificativas e se arriscar
primeiro? E mais: quem vai investigar já que não haverá tempo para outra coisa que não
ficar justificando o não encerramento das investigações?
Então, fica óbvio que esse projeto de lei nitidamente é direcionado a punir juízes, promo-
tores e delegados. No início da lei, até pode haver menção de que os parlamentares tam-
bém seriam atingidos, mas, lendo a lei com maior atenção, é possível constatar que não
há nenhum tipo específico de punição direcionada às condutas de parlamentares. Neste
sentido, a lei aprovada agora no Congresso Nacional, e que ainda precisa ser sancionada,
é pior do que a que está vigorando, a Lei 4898/65. Há nesta última um dispositivo voltado
a penalizar quem atente contra o exercício do voto. Na nova lei, isso deixa de ser crime. A
conduta de um político que visa cercear alguém de votar em um candidato da oposição,
por exemplo, que com a Lei 4898 é crime, deixa de ser com a nova lei. Aspectos como
esse do texto do Projeto 7.596 evidenciam que a preocupação em punir juízes, promoto-
res e delegados foi tão acentuada que quem o redigiu acabou esquecendo a possibilidade
de que políticos também cometem crimes de abuso de autoridade.
Ninguém é contra a necessidade de uma atualização da lei de abuso de autoridade. Al-
guns tipos penais criados até são interessantes e importantes. Mas quando percebemos
que a lei é única e exclusivamente voltada para Polícia, Ministério Público e Judiciário, não
havendo sequer uma figura penal que se encaixe em possíveis abusos da classe política,
a única conclusão a que podemos chegar é que ela não pode ser sancionada na íntegra.
Uma lei aprovada a toque de caixa, na calada da noite, sem votação nominal, aproveitan-
do uma situação de momento episódico, em que o congresso se sentia livre, sem muita
pressão para votar, é sintomático do momento que estamos vivendo. Esse projeto pre-
cisa, portanto, ser rediscutido pela sociedade, para que possamos, de fato, aperfeiçoar a
punição ao abuso de autoridade.
Por Rodrigo Régnier Chemim Guimarães.
procurador de Justiça, professor do
Unicuritiba e da FAE, doutor em Direito
de Estado pela UFPR