ARTIGO
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A nova lei gerará impactos negativos, por exemplo, na proteção de mulheres em sede de
violência doméstica, que procuram o Estado para noticiar que estão sendo ameaçadas de
morte pelos seus companheiros. Sem o indício, só com a notícia do delito, não poderá ser
feito nada. Outro exemplo, que inclusive mostra que a lei de abuso de autoridade pode
gerar efeito contrário ao pretendido, é o de uma pessoa presa em flagrante que relata,
em audiência de custódia ao juiz, que foi vítima de abuso pelos policiais por ocasião de
sua prisão. Esse relato, hoje, basta para iniciar uma investigação em torno da notícia. Com
a nova lei, ele cai no vazio se não vier acompanhado de um indício. Então, a lei apresenta
um tipo penal que vai gerar uma espécie de paradoxo: só se pode iniciar uma investigação
se já houver uma prova, só que muitas vezes se depende da investigação para se coletar
tal prova. Como fica? Esse é, portanto, o primeiro problema técnico a se encarar.
O artigo 30 segue uma mesma linha e, de certa forma, se sobrepõe e repete o teor do ar-
tigo 27, colocando o seguinte: “É crime dar início ou proceder a persecução penal, civil ou
administrativa, sem justa causa fundamentada ou contra quem se sabe inocente”. “Justa
causa”, em processo penal, é um conceito técnico que dogmaticamente significa avaliar
se temos um conjunto de elementos probatórios preliminares que sustentem um fato
que se vai imputar ao réu numa denúncia. “Denúncia”, por sua vez, é petição inicial que
materializa o exercício da “ação penal” promovida pelo Ministério Público e que dará iní-
cio um “processo”. Já a expressão “persecução penal”, que aparece no tipo penal criado
agora, é um conceito mais amplo, englobando tanto a investigação quanto o exercício da
ação e o respectivo processo. Aqui se vê uma bagunça técnica do legislador. Ele está exi-
gindo justa causa para que se inicie uma “persecução penal” e não uma “ação penal” que
daria início a um “processo”. Então, agora seria preciso ter justa causa para iniciar a inves-
tigação? É uma imprecisão técnica assustadora, que vai gerar uma série de problemas de
interpretação. Talvez o Judiciário, debruçando-se sobre isso, possa, amanhã ou depois,
dar um direcionamento interpretativo coerente. Mas nós não podemos fazer vista grossa
à ideia de que estará vigente um tipo penal que colocará em xeque a possibilidade de se
iniciar uma investigação “sem justa causa”, sendo que a investigação serve justamente
para que se obtenha a justa causa. Então cria um paradoxo de novo.
Outro artigo é o 31 que diz que: “Passa a ser crime estender injustificadamente a investi-
gação, procrastinando-a, em prejuízo do investigado ou fiscalizado”. Como assim “esten-
der injustificadamente a investigação”? A lei prevê prazos de controle da investigação de
30 em 30 dias, permitindo a renovação do prazo sempre que o caso for considerado de
“difícil elucidação” e o investigado estiver solto, mas também prevê prazos prescricio-
nais para o exercício de uma pretensão punitiva. Enquanto não estiver prescrito um crime
pode seguir sendo investigado. Existe uma tabela no Código Penal que nos diz que temos
um tempo para investigar, que é o tempo da prescrição que é contado da data do crime
até o recebimento da denúncia, ocasião em que ele se renova. Qualquer investigação