Revista Ações Legais - page 48-49

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Amanda Carvalho viu o pai atear fogo na mãe, numa tentativa desesperada de tirá-lo
de cima dela, acabou sendo atingida pela gasolina também. A mãe de Amanda faleceu
e Amanda, com apenas 17 anos de idade, teve 57% do corpo queimado.
A história de vida de Amanda é a mesma de muitas mulheres brasileiras, uma história de
violência, agressividade, dor e superação, semelhante também à Maria da Penha. A Lei
Maria da Penha completa onze anos em 7 de agosto de 2017 e constitui um importante
diploma legal para a proteção dos direitos humanos das mulheres, em especial a uma
vida livre de violência na esfera doméstica. Nos termos da Lei Maria da Penha, entende-
-se por violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão basea-
da no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, sexual
ou patrimonial. As formas mais comuns que enfrentamos no GEVID (Grupo Especial de
Violência Doméstica) são as ameaças, as lesões corporais, os crimes contra a honra e o
feminicídio.
Nestes 11 anos temos muito a comemorar, pois sabemos que vidas foram salvas em
razão da existência desta lei. Assim, por exemplo, dados do IPEA indicam que a LMP
fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das resi-
dências. Essa diminuição, embora significativa, não foi suficiente para retirar o Brasil
da vergonhosa posição do 5º país que mais mata mulheres no mundo. São 13 mulheres
assassinadas por dia, uma a cada duas horas, em grande número constituído pela popu-
lação economicamente desfavorecida e negra. Com efeito, para a plena efetivação da
legislação, o caminho ainda é longo.
É importante frisar que as mulheres e meninas são mortas, com mais frequência, na es-
fera doméstica, normalmente por seus namorados, companheiros, ex-companheiros,
maridos, ex-maridos, pais, avôs, etc, local em que deveriam estar mais protegidas. Di-
versamente, os homens estão mais sujeitos à violência na esfera pública.
A legislação nacional brasileira contempla a proteção da mulher quanto à prática de
violência na esfera privada. A pergunta que fica no ar é a seguinte: se temos uma das
melhores legislações de combate à violência doméstica do mundo, em especial por-
que foi construída coletivamente, pelo movimento de mulheres, academia e bancada
feminina, o que justifica a continuidade dos elevados índices de morte de mulheres no
Brasil?
A questão, muito além dos aspectos jurídico normativos, diz respeito a aspectos sócio
culturais de uma sociedade patriarcal e de origem escravocrata. Enquanto não trans-
formarmos a cultura, dificilmente diminuiremos a contento os altos índices de violência
contra as mulheres. Nem tudo esta perdido, há uma fresta de esperança, houve algu-
mas conquistas.
Entre estas conquistas podemos elencar algumas: a Lei Maria daPenha engloba impor-
tantes aspectos preventivos e repressivos; constitui um diploma legal muito divulgado
e conhecido por parte significativa da população. Destacamos, ainda, que o agressor
será sempre processado, se houver indícios de autoria e prova da materialidade, não
sendo mais possível a transação penal ou suspensão do processo.
A lei contempla, ainda, as medidas protetivas de urgência, que são importantíssimas
para prevenir crimes mais graves. Lembremos, também, que a lei determina o desen-
volvimento de políticas públicas para o integral atendimento da vítima, inclusive, com
o abrigamento, encaminhamento ao mercado de trabalho e atendimento psicossocial.
Além disso, em razão da lei, Promotorias de Justiça especializadas em violência domés-
tica foram criadas, Varas e Defensorias especializadas.
Também foram criados grupos multisetoriais para o debate e a implementação da le-
gislação com participação de diversas esferas do Ministério Público, Poder Judiciário
e Poder Executivo. Por fim, foram desenvolvidos projetos de sensibilização da polícia,
de agentes de saúde, de acolhimento de vítimas e ressocialização do agressor. Todos
estes elementos de luz possuem uma grande sombra e muitos desafios.
Os desafios pendentes são inúmeros: presenciamos atônitos, quase sem reação, um
momento muito triste no Brasil, onde a corrupção tomou conta de todas as esferas de
poder, sendo que as mulheres detém uma participação insignificante no Congresso Na-
cional.
As legislações editadas pelos parlamentares são cada vez mais conservadoras, prejudi-
cando muitas conquistas femininas, representando um verdadeiro retrocesso.
No âmbito dos Poderes Executivos, sob a desculpa de que inexiste orçamento sufi-
ciente pela crise financeira, verificamos um desmonte dos serviços de atendimento à
mulher vítima de violência, com fechamento de serviços, desaparelhamento e falta de
investimentos.
O compromisso com o combate à violência doméstica deve envolver toda a sociedade,
mulheres e homens, o sistema de justiça e os poderes de Estado. As mortes e o sofri-
mento de muitas vítimas, como Amanda, poderiam ter sido evitados. Se não queremos
mortes evitáveis no Brasil, para isso temos que não apenas desconstruir os estereótipos
de gênero, mas também combater a tolerância social à violência doméstica, por meio
da educação de gênero. Temos que seguir lutando contra todas as formas de violência
contra a mulher, discriminação, em especial a doméstica, desenvolvendo políticas pú-
blicas sérias, pois as mulheres não se contentarão com uma simples “maquiagem”.
ESPECIAL
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