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ARTIGO
Outro Brasil
Por José Pio Martins, economista
“
Eu não quero morar em outro país. Eu quero
morar em outro Brasil.” Ouvi essa expressão
em palestra do consultor Marcelo Karam, e ela
me provocou várias reflexões. A recessão, a corrup-
ção, o desemprego e a violência social são as causas
mais citadas por pessoas que manifestam o desejo
de ir embora do Brasil. O desencanto com o país é
compreensível, pois nossas mazelas são graves e
formam um quadro desolador que faz muitos per-
derem a esperança de melhorias no curto e médio
prazo.
Tenho uma filha que atualmente mora e trabalha em
Londres, depois de ter residido na Itália e na Alema-
nha, e isso me faz acompanhar de perto a Europa,
principalmente a Inglaterra. Emigrar para Londres,
cidade glamourosa e centro importante da história
mundial, e lá viver é o sonho dourado de muitos.
Mas, quando se tornam reais, os sonhos revelam
seus espinhos. A Inglaterra, apesar das vantagens,
apresenta vários problemas para o imigrante.
O país aderiu à União Europeia (28 países), porém,
commais oito países, não adotou o euro como moe-
da comum. No ano passado, o Reino Unido (Inglater-
ra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) decidiu
se retirar da União Europeia, o que implicará mudan-
ças na política de imigração na região. Três milhões
de cidadãos da União Europeia vivem no Reino Uni-
do e 1,1 milhão de cidadãos do Reino Unido vivem
nos demais países da Europa. Os ingleses têm certa
restrição aos imigrantes, aos quais gostam de reser-
var os empregos de menor remuneração.
A vida do imigrante na Inglaterra não é fácil. A maio-
ria mora em residências pequenas e frequentemen-
te é lembrada de que ele é imigrante, não cidadão nacional. Nas pequenas cidades, a hos-
tilidade no mercado de trabalho é maior, e foi o interior que deu a maioria dos votos para
aprovar o Brexit (a retirada britânica da União Europeia). O país é organizado, a violência
urbana é quase nula, o povo é educado, as coisas funcionam e há muito que admirar na
Inglaterra. Mas o imigrante é sempre um estrangeiro e, mais adiante, muitos podem ser
instados a deixar o país.
O exemplo da Inglaterra mostra que ser imigrante em qualquer país nos tempos atuais
não é exatamente uma coisa fácil. Uma coisa é o glamour, outra é a realidade. Para a
maioria dos 207,2 milhões de habitantes do Brasil, a hipótese de ir embora do país não
se coloca. A expressão “eu não quero viver em outro país; eu quero viver em outro Bra-
sil” é apropriada e um bom motivo para sabermos que cabe a nós, sociedade e governo,
construir outro Brasil, menos pobre, menos corrupto, menos violento e com melhores
hábitos; um país onde morar seja seguro e onde se possa ter alegria de viver.
Muitos que manifestam o desejo de ir embora talvez tenham desistido do Brasil e não
acreditam que verão um país melhor. A questão é que, apesar dos problemas, a maioria
não irá embora, e o melhor é fazermos nossa parte e contribuir para melhorar a nação,
superar a pobreza e reduzir o elevado grau de violência contra a vida. Aceitar passiva-
mente a pobreza, o caos e a marca de 60 mil pessoas mortas por assassinato a cada ano
não é razoável.
No plano pessoal, as crises e as derrotas produzem lições e nos ajudam a mudar para me-
lhor. Resta saber se o Brasil, como sociedade, aprenderá algo com a tríplice crise atual (a
econômica, a política e a moral) e será capaz de melhorar sua economia e as condições
sociais. Só o tempo dirá.
O exemplo da Inglaterra
mostra que ser imigrante
em qualquer país nos
tempos atuais não é
exatamente uma coisa fácil