ARTIGO
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teremnovos arranjos familiares, como adoção por casais homossexuais, acionam-se, por outro
lado, nos contornos infanto-juvenis, figuras de vítimas em potencial de uso de drogas, de mau
desempenho escolar ou de qualquer outra consequência considerada preocupante, em uma
conclamaçãomoralistada sociedadedeproteger as “cândidas criaturas” comas suaspretensas
armaduras.
Neste último caso, é custoso acreditar que tais narrativas se amparem em outros lugares que
não o da homofobia. Bastaria testarmos a reação de nossos interlocutores com uma suposta
pesquisa sobre se casais heterossexuais seriam ou não capazes de educar adequadamente os
seus filhos. Haveria espanto frente a uma entrevista deste teor, porque se toma este padrão,
equivocadamente, como omodo correto de se experimentaremos afetos conjugal e parental.
Pais heterossexuais não são garantia, por óbvio, de desempenho escolar exitoso ou de desinte-
resse emdrogas. Ao revés, estes temas tocam vivências múltiplas de infância e de juventude, e
dialogam com conjunturas complexas. A falta de investimento em educação emancipatória ou
o fechamento radical de portas acadêmicas e profissionais para a juventude brasileira poderiam
trazer bons debates sobre concretos problemas que se abatem sobre este público. Já a orien-
tação sexual dos genitores só pode pulsar como risco para quem articula preconceito contra
casais domesmo sexo.
O exercício da parentalidade por casais homossexuais, apesar de evocar ferrenha argumenta-
ção contrária de pretensos paladinos damoral e dos bons costumes, é plenamente assegurado
pelo ordenamento jurídico pátrio e por normativas internacionais de direitos humanos. O seu
impedimento configura tratamento discriminatório, como bem lembraramo Supremo Tribunal
Federal, noRecurso Extraordinárionº 846.102 e a Corte Interamericana deDireitos Humanos no
caso Atala Riffo e filhas vs. Chile.
Mesmo que se considerasse relevante metrificar eventuais assimetrias entre os padrões de
parentalidades por adoção, ainda é de se questionar a quais resultados se dedica espaço. Por
exemplo, em pesquisa realizada pelo Evan B. Donaldson Adoption Institute, constatou-se que
60% das adoções feitas por homossexuais são interraciais. De acordo coma entidade, estes ten-
dema adotar crianças mais velhas, negras ou comalgumproblema de saúde, o que, certamen-
te, coaduna-se com a concretização do prioritário direito à convivência familiar. Por esta pers-
pectiva, a potência de uma família fora dos contornos hegemônicos pode significa aberturas a
possibilidades mais plurais de paternidades e dematernidades.
No caso da homoparentalidade, questiona-se também frequentemente se a ausência do tradi-
cional modelo marcado por figuras do gênero masculino e feminino pode eventualmente oca-
sionar efeitos danosos ao desenvolvimento ou tornar confusa a própria identidade sexual da
criança, cogitando-se do “risco” de se tornar homossexual – como se a homossexualidade fos-