Revista Ações Legais - page 164

ARTIGO
164
Por Francielle Elisabet Nogueira
Lima, mestra em Direitos Humanos e
Democracia, advogada e vice-presidente
da Comissão de Direito Homoafetivo
do Instituto Brasileiro de Direito de
Família do Paraná; e Ligia Ziggiotti de
Oliveira, doutora em Direitos Humanos
e Democracia, advogada, presidente
da Comissão de Direito Homoafetivo
do Instituto Brasileiro de Direito de
Família do Paraná e professora da
Escola de Direito e Ciências Sociais da
Universidade Positivo
se um traço problemático de personalidade a ser repreendido.
Por outro lado, causa estranheza como quem angaria esforços para trazer um tom científico
a essas preocupações não parece ter críticas tão ferrenhas ao abandono paterno nos arranjos
familiares monoparentais femininos, os quais, muitas vezes, não são construídos por escolhas
autônomas.
Segundo dados colhidos pelo Conselho Nacional de Justiça, mais de 5,5milhões de crianças, no
Brasil, não têmo reconhecimentodapaternidadenaCertidãodeNascimento. Namesma toada,
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2015, registrou um número de mais de 1 mi-
lhão de famílias formadas por mães solo emumperíodo de dez anos. E esta questão se afigura
conectada com a situação precária destas mulheres: de acordo com o próprio IBGE, mais da
metade (56,9%) das famílias chefiadas por mulheres comfilhos vivemabaixo da linha da pobre-
za. Às principais cuidadoras desta infância e desta juventude negam-se políticas públicas e se
destinamnarrativas cada vezmais violentas, como a de líderes políticos que a elas se referiram,
emumpassado próximo, como “fábricas de desajustados”.
Os padrões de heteronormatividade tóxica, cotidianamente, interrompem a vida de mulheres
e pessoas LGBTI+. Só nos primeiros meses de 2019, foram registrados mais de 200 feminicídios
nopaís. Alémdisso, emestudos encabeçados peloGrupoGay daBahia, aponta-seque, em2017,
320 pessoas forammortas pela LGBTIfobia. Não à toa, discute-se no STF a possibilidade de equi-
paraçãodessas condutas ao crimede racismo, atéqueoCongressoNacional legisledevidamen-
te sobre.
Como se percebe, o pior efeito produzido às vivências de crianças e de adolescentes cuidados
por casais domesmo sexo pode não residir emcasa. Reside, sim, emdiscursos e empráticas de
ódio que insistememapontar estes filhos como experiências desviantes.
É verdade que a conjuntura política e jurídica contemporânea tem acrescentado riscos graves
aos horizontes de realização da infância e da juventude. Mas o aconchego e o afeto familiares,
independentemente de orientação sexual de seus membros, não é umdeles.
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