18
19
Assembleias Gerais e
sociedades cooperativas: os
tempos apontam para uma
mudança paradigmática?
OPINIÃO
E
mmeio ao cenário de estado de calamidade pública decorrente da pandemia, diversas
iniciativas legislativas propõem regimes jurídicos provisórios no intuito de dar respal-
do aos atos e negócios jurídicos a serem realizados nesse período. Dentre elas, desta-
ca-se a possibilidade de participação e votação à distância nas assembleias de cooperativas
trazida pela Medida Provisória nº. 931/2020.
É recorrente o argumento de que a Lei Geral das Sociedades Cooperativas precisa ser inte-
gralmente substituída, fundada no argumento simplista de que sua edição data do início da
década de 1970. Embora quase cinquentenária, é preciso ponderar que boa parte de suas
balizas dogmáticas se mantêm incólumes e, assim, verificar em que medida a subsunção
das mudanças sociais eventualmente justificama atualização de alguns de seus dispositivos
– tal qual se coloca o tema das assembleias.
As características específicas e condições fáticas e jurídicas para a implementação de as-
sembleias remotas para as sociedades limitadas e anônimas são muito distintas das coope-
rativas.
A título exemplificativo, para citar somente uma característica, as limitadas dispensam a
realização de reuniões e assembleias sempre que a totalidade dos sócios subscrever do-
cumento com o conteúdo da respectiva pauta – que pode também ser assinado por um
procurador.
No caso das sociedades anônimas, há distinção de tratamento conferido às companhias
abertas e fechadas, e, nos termos da medida provisória e normativas da Comissão de Valo-
res Mobiliários, somente às primeiras foi conferida a autorização legal para a realização de
assembleia digital conforme já bem alertou Marcelo Vieira von Adamek em recente artigo
publicado no Conjur . A constatação de que existem diferentes graus de maturidade no
processo de digitalização das assembleias nas com-
panhias abertas e nas cooperativas parece eviden-
te, especialmente porque a figura do acionista não
pode ser equiparada ao do cooperado, cujos interes-
ses e condições socioeconômicas, de modo geral,
são bastante distintos.
A partir desse breve contexto, caso amedida provisó-
ria seja convertida em lei nos termos em que foi pro-
posta, a Lei das Cooperativas terá acrescido ao seu
texto, como norma permanente, o art. 43-A, segundo
o qual, “o associado poderá participar e votar a dis-
tância em reunião ou assembleia, nos termos do dis-
posto na regulamentação doDepartamentoNacional
de Registro Empresarial e Integração da Secretaria
Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Di-
gital doMinistério da Economia.” Por conseguinte, só
haverá permissão para as cooperativas de qualquer
natureza realizaremassembleias gerais semipresenciais, não prevalecendo a alternativa, con-
tida na Instrução Normativa n. 79/2020 do DREI, que previu a possibilidade de serem também
implementadas assembleias gerais digitais (ou virtuais). Se alguma cooperativa optar por re-
alizar uma assembleia geral exclusivamente virtual há de avaliar o risco de sua anulação, dada
a flagrante ilegalidade, nessa parte, da referida norma administrativa do DREI.
E a restrição legal faz muito sentido, pois, no caso de assembleias gerais das cooperativas
singulares, a participação do associado é um direito e um dever de caráter personalíssimo,
vez que vedado o voto por procuração, que deve, ainda, ser integrado ao princípio univer-
sal da gestão democrática. Assim, facultar a realização de assembleias gerais em platafor-
ma digital, sem local para o comparecimento pessoal, seria criar um grande obstáculo para
muitos cooperados terem acesso ao evento.
De fato, para além da questão da autorização legal, a assembleia digital cria restrições de
ordemmaterial quanto ao acesso aos recursos de tecnologia e da sabida falta de cobertura
de internet nas mais diversas regiões do país, que, por si só, podem configurar hipóteses de
anulação da deliberação, visto que a inviabilidade de participação afronta os princípios co-
operativos e lesa o direito individual do cooperado. Essa crítica, no ambiente cooperativo,
vale, pelos mesmos motivos, para a Lei n. 14.010, de 10 de junho do corrente ano, no ponto
em que autoriza, em caráter transitório e excepcional, a realização de assembleias gerais
das pessoas jurídicas em geral por meios eletrônicos até o próximo dia 30 de outubro.
Fotos: Divulgação