Revista Ações Legais - page 104-105

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FLAGRANTES DO MUNDO JURÍDICO
Por Edson Vidal
N
os dias frios do inverno abro a janela e vejo a névoa que esconde parte da cidade.
Lembro das pequenas comunidades do interior do estado, algumas delas com a
denominação de comarcas em virtude dos interesses políticos. Situação que per-
dura até hoje.
Em 1968, então promotor substituto, fui designado pelo saudoso procurador Geral de
Justiça Dr. Ary Florêncio Guimarães, para responder pela Promotoria da Comarca de São
João do Triunfo, cidade localizada entre São Mateus do Sul e Palmeira.
Chovia, estava frio e a estrada era de barro com pouco macadame. Meu Volkswagen, se-
dan, deslizava sobre a pista como uma única azeitona em um prato raso e vazio. Dei gra-
ças a Deus quando cheguei à cidade. As casas de madeira tinham na parede gotículas de
água que pareciam suor escorrendo denotando umidade. Pudera apesar de ser dez horas
da manhã uma névoa se confundia com a chuva que caía sem parar.
Logo cheguei no fórum e fui falar com o juiz em seu gabinete. Encontrei-o tomando
chimarrão e conversando com o escrivão do cartório cível. Feitas as apresentações ele
permaneceu ao meu lado, sequioso para conversar, logo percebi que não era nada bom
morar em um lugar simples e de poucos recursos. Ele me acompanhou no almoço que foi
servido na única pensão que existia. E ficou meu amigo. Depois retornei a São João do
Triunfo cerca de quatros vezes, sendo que em uma delas fiz um júri com o saudoso advo-
gado Édison Scheram, que posteriormente foi prefeito de São Mateus do Sul.
De repente recebi a notícia da morte do juiz. Ele teve uma terrível depressão e suicidou-se
na casa em que morava. Fiquei triste com a perda de um amigo. Assim era a vida profissio-
nal de juízes e promotores de Justiça que percorriam estradas sem asfalto, nem telefone,
sem televisão , quando a maioria dos fóruns era de madeira, ruas com pouca ou nenhuma
iluminação.
No inverno, principalmente nas regi-
ões do sudoeste e do sul a temperatu-
ra muito baixa dava tédio e certa de-
sesperança. Tudo era difícil. Somente
pelo ideal de servir a Justiça é que ho-
mens e bem poucas mulheres abraça-
vam essas carreiras jurídicas.
A permanência no interior durava em
média quinze anos e nas trincheiras
das comarcas cada um forjava sua
têmpera e ganhava experiência. E nas
idas e vindas de uma para outra co-
marca protagonizava ou testemunha-
va fatos ocorridos para serem lembra-
dos.
Hoje, as carreiras são dinâmicas, pou-
cos criam raízes e passam tão rápido
pelo interior, salvo nas cidades que
lhes interessam, que sequer têm his-
tórias para contar. É pena porque a
carreira fica sem graça porque faltou
vivência.
E os dias de inverno com névoa e chuva eram difíceis de passar pela monotonia própria
das pequenas cidades. Tudo era questão de tempo ao tempo. Em cada dia de inverno eu
lembro com saudades de um Juiz que morreu bem jovem porque tinha um ideal de vida.
Nome que por certo não é lembrado por um Tribunal que não sabe preserva sua própria
história.
Somente pelo ideal de
servir a Justiça é que
homens e bem poucas
mulheres abraçavam
essas carreiras jurídicas
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