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DIREITOS HUMANOS
rejeição e, frequentemente, não receber atenção do poder público, quemuitas vezes só sema-
nifesta em relação a eles por meio da dura face das forças de segurança.
Essa é a realidade das pessoas em situação de rua. Não há dados recentes e confiáveis sobre
essa parcela da população, entretanto, estimativas apontam para a existência de mais de 100
mil pessoas vivendo hoje nas ruas do Brasil. Esse dado consta de umestudo publicado em 2015
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria de Marco Antonio Carvalho
Natalino, especialista em políticas públicas e gestão governamental da Diretoria de Estudos e
Políticas doEstado, das Instituições edaDemocracia (Diest), daqueleórgão. Paraefeitode com-
paração: registre-se que no primeiro semestre deste ano, tentaram chegar à Europa por mar
cerca de 30mil imigrantes, segundo dados do Parlamento Europeu.
No casodos imigrantes, parece fácil entender por que alguémdeixa seupaís para tentarmelhor
sorteemoutras terras,mesmo sob riscoenaperspectivadeviver numcontextoestranhoquan-
to à língua e aos costumes. Quanto à população em situação de rua, o que faz comque alguém
seja levado a essa situação? Certamente, salvo emcasos excepcionais, não é por opção própria.
Experiência
Quemresponde a essa questão é alguémque conhece bemo drama da população emsituação
de rua, porque fez parte dela: Leonildo Monteiro Filho, representante do Paraná na Coordena-
ção Nacional do Movimento da População em Situação de Rua. Militante pelos direitos dessas
pessoas, Leonildo já viveumais de cinco anos nas ruas da capital paranaense. Ele indica os prin-
cipaismotivos que levamas pessoas para as ruas: “tragédias familiares – como uma separação,
por exemplo –, crise econômica, desalojamento por grandes obras, problemas com álcool e
drogas”.
Ele próprio foi vítima da crise econômica. Chegou a Curitiba proveniente do Mato Grosso, em
busca de emprego. Não conseguiu. Sem dinheiro, passou a viver nas ruas. Leonildo fala ainda
com emoção daqueles dias: “Eu era invisível para a sociedade e para o poder público. Só era
visível para as forças de segurança. Eu via que os cachorros da cidade erammais bem tratados
que as pessoas que viviam nas ruas: a cidade sabe quantos cachorros tem, faz programas de
recolhimento dos animais, mas não sabe quantas pessoas estãomorando nas ruas”. Pior que a
invisibilidade erama rejeiçãoeopreconceito: a cidadeos olha comouma ameaça. Ele conta que
se sentia duplamente despejado, explicando: “Quem mora na rua trata a rua como sua casa.
Mas eu era expulso até dos lugares públicos. Às vezes, não me deixavam nem fazer uma refei-
ção numbanco de praça.”
Leonildo conseguiu deixar as ruas graças à ação articulada doMinistério Público que contribuiu
para surgimento doMovimentoNacional da População emSituação de Rua e não por apoio do
poder público. Hoje, ele tem um endereço, mas, ironicamente, passa muito tempo fora: como