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Valor justo em privatizações
Q
uando o assunto é privatização, parece não
haver dúvidas, todos querem a mesma coi-
sa: o redimensionamento do tamanho do
governo. Empresas públicas deficitárias, desserviços
e casos de corrupção são alguns poucos exemplos
que justificam o desejo coletivo. Não importa se a
desestatização será via privatização, concessão ou
PPP (public-private partnership); Para a maioria, ela
precisa ocorrer. A venda de uma instituição pública,
porém, abre caminho para um debate sem solução:
qual o valor justo destas empresas?
No radar estão 119 projetos federais, 56 em vias de
concessão e 16 privatizações, incluindo empresas im-
portantes como os Correios, Infraero e Telebrás. Os
restantes ainda estão em fase de estudos e sem cro-
nograma definido, pois dependem do aval do con-
gresso. De maneira geral, a prática atual de privatiza-
ções pode ser dividida em duas etapas: elaboração de laudo de avaliação e oferta pública
em leilão. A primeira consiste em trabalhos de consultoria especializada em valuation,
que reconhecem, por meio de premissas, o potencial de geração de caixa. Posteriormen-
te, na segunda etapa, no limite dos valores apresentados no laudo, estabelecem como
piso o maior valor. Em parte, essa conduta pode ser explicada porque, via de regra, o
setor público exige o melhor preço, transparência e garantia de prestação de serviços,
entre outros fatores.
Nesses moldes, a alienação ou a concessão de uma empresa pública se torna fruto de
um leilão pernicioso, onde o reconhecimento do valor justo é ofuscado pelo temor do
quanto o concorrente está disposto a pagar. Sobretudo se este concorrente for capaz
de obter vantagens estratégicas perante os outros. Então, para não perder, inicia-se uma
espécie de “vale tudo” em que o preço proposto (por vezes) supera a viabilidade econô-
mica para o ofertante. A quantidade de interessados e a incerteza do valor resultam, no
que se chama, de fenômeno “maldição do vencedor”, que é quando paga-se mais do que
o ativo realmente vale.
Um caso emblemático conhecido é a concessão do aeroporto de Viracopos controlada
Por Fernando Dias Cabral, bacharel
em Administração de Empresas pela
UNAERP com especialização em
Controladoria e Finanças pela Fundace/
Fea – USP Ribeirão Preto
pela Triunfo e UTC Participações. Na época, pagaram R$3,82 bilhões (ágio de 159%) em
relação ao mínimo estabelecido de R$1,47 bilhão. O segundo maior lance foi de R$2,52
bilhões. Valeu a pena? Hoje eles estão tentando uma recuperação judicial com dívida pró-
xima de R$2,88 bilhões. Motivos não faltam, vão desde a frustração pela demanda fraca
de passageiros e carga até questões ligadas ao fraco desempenho econômico.
Frente ao exposto, nota-se que os dois lados fracassam, o governo e a empresa. Aparen-
temente, o governo sai vitorioso recebendo o melhor preço, mas perde quando tenta
cumprir seu papel social. E as empresas, amaldiçoadas pela sua vitória, quando reconhe-
cem as perdas, tendem a tomar medidas amargas que não contribuem para a melhoria
dos serviços aos cidadãos. Deste modo, buscam caminhos para cortar custos ou aumen-
tar preços na tentativa de recuperar as perdas. O resultado? A sociedade perde na quali-
dade dos serviços ou sofre com o abuso de preços.
Obviamente, não se pode vender empresas públicas da mesma forma como se vende
empresas privadas. Em leilão privado objetiva-se a máxima dos ganhos aos acionistas
e, se naufragar para quem comprou, outros ocuparão seu papel. No caso de empresas
públicas privatizadas, mesmo não sendo estas de segurança nacional ou voltadas para o
interesse social, se inviabilizadas economicamente, afetam a vida do cidadão comum e a
imagem dos órgãos públicos.
Por fim, parece claro que a forma de condução das desestatizações caminha de maneira
errada. Do lado privado, caberia aos investidores interessados analisar de maneira mais
profunda qual o valor justo limite, sem perder o foco e o propósito estratégico do negó-
cio. Já ao governo seria mais prudente se conduzisse o leilão estabelecendo uma relação
entre remuneração fixa e variável, sendo parte do pagamento fixo com base no piso da
avaliação mais uma remuneração variável, com prêmio anual de longo prazo medido por
desempenho, garantindo assim ao vencedor a manutenção das operações e à sociedade
um serviço de qualidade. Afinal, o valor piso em leilão já é a máxima do valuation.