Revista Ações Legais - page 36-37

36
37
ENTREVISTA
Jurista aborda temas
relevantes do livro Teoria
Crítica do Direito
D
epois de três anos e meio de amplo
e árduo trabalho de revisão e adição
de notas e textos, o professor, jurista
e filósofo Luiz Fernando Coelho lançou a 5ª
edição do clássico ‘Teoria Crítica do Direito’,
obra que inspirou o direito alternativo e deu
rumo ao ativismo judicial. “Quando o livro foi
publicado, em 1987, sob inspiração marxista,
houve uma espécie de sacudidela no judiciá-
rio Um chacoalhar da lógica das leis”, afirma.
O que Coelho propunha à época, e que se
mantém atual, era "escapar das amarras" do
texto positivado das normas e adotar uma
atitude indagatória, voltada para "a solução
de problemas teóricos das leis para colocar
o direito a serviço da população". Desde en-
tão, todo o seu trabalho, seja como acadêmi-
co, ele lecionou nas grandes faculdades de
direito do sul do país, seja como palestrante,
principalmente em universidades da Europa,
é baseada nessa concepção.
A Revista Ações Legais reproduz entrevista
concedida pelo jurista ao site da Editora Bonijuris, responsável pela edição do livro. Nela
Coelho discorre sobre o triunfo do capitalismo, fala de seu passado de marxista (graças a
Deus), e comenta um caso em efervescência: a decisão do Supremo Tribunal Federal que
derrubou a prisão em segunda instância e possibilitou a libertação do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e de outros condenados na operação Lava-Jato.
O que diferencia a primeira da edição da “Teoria Crítica do Direito” desta quinta edi-
ção? O mundo?
Sim, o mundo. A primeira edição foi lançada em 1982. Era minha tese para professor titular
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi gestada durante o regime militar, então
com certa restrição de pensamento, um certo receio de prisão. Eu era professor na Univer-
sidade Federal de Santa Catarina e tinha um pensamento francamente socialista. Não era
um pensamento marxista difuso. Era um pensamento marxista mesmo. Mas é preciso fa-
zer uma distinção: eu me alinhava com o pensamento marxista, o que não significa que era
comunista. Era socialista, mas vinculado à ação católica. Pregava o evangelho, pregava a
doutrina social da igreja, respondia à questão social contrapondo-me ao ateísmo marxista.
Então o senhor era um marxista graças a Deus?
Marxista, mas não ateu. Houve três edições do livro. A quarta edição foi publicada em espa-
nhol pela Juruá Internacional, que tem sede na cidade do Porto (Portugal). Agora, você me
pergunta qual a diferença entre a primeira e esta última edição da Teoria Crítica do Direito. A
diferença é essa mesma, o mundo mudou. Primeiro: as principais categorias da filosofia mar-
xista perderam a razão de ser no mundo de hoje. Nós não podemos falar de uma sociedade
baseada na luta de classes. Quem é a classe dominante no mundo de hoje? Como é que eu
posso chamar um empresário médio que tem cinco ou seis empregados de classe dominan-
te? O empregado bate ponto, tira suas férias, tem seu FGTS, dorme bem, vai ao cinema coma
mulher. O empresário fica até meia noite pagando conta, sendo mordido pela administração
pública. Então, não há mais sentido na definição de dominantes e dominados.
Explique melhor.
Veja o caso da alienação. Quando Marx apresentou o projeto de uma sociedade comunis-
ta, ele pretendia libertar o trabalhador da alienação. Havia a ideia de que o trabalhador
não se reconhecia no produto de seu trabalho. Por quê? Porque o patrão de apossava da
mais valia. A diferença entre aquilo que o empregado produzia para o seu próprio susten-
to e o restante que ele trabalha para enriquecer o patrão. A conclusão da filosofia comu-
nista era a seguinte: todo o patrão é ladrão, toda propriedade é um roubo, todo patrão se
apossa da mais valia do operário. Essas coisas hoje não fazem mais sentido.
Por quê?
Ora, porque a própria organização empresarial mudou. Mudaram as grandes corpora-
ções, as grandes multinacionais e o discurso marxista seguem sendo o mesmo. No passa-
do nós lutávamos pela Amazônia, defendíamos nossas riquezas minerais contra a cobiça
internacional, a bandeira era “o petróleo é nosso”. Nós nos orgulhávamos das belezas de
1...,16-17,18-19,20-21,22-23,24-25,26-27,28-29,30-31,32-33,34-35 38-39,40-41,42-43,44-45,46-47,48-49,50-51,52-53,54-55,56-57,...
Powered by FlippingBook