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nossas matas, dos rios, dos campos verdejantes. Ou seja, éramos totalmente alienados.
Tínhamos sim sentimento social, mas pela miséria que campeava solta. A quinta edição
da Teoria Crítica do Direito é uma tentativa de resgatar esses pensamentos inspirados na
filosofia marxista, porém adaptados ao mundo de hoje.
O que o livro tenta resgatar?
Nós continuamos falando em sociedade, mas não a sociedade do conflito, a sociedade demas-
sas. Nós tratamos de enxergar a sociedade como de fato ela é: complexa. Há que se considera-
remvários aspectos que não cabemnuma definição simplista de luta de classes. E esse conceito
de alienaçãoemummundode fácil acessoà internet, de redes sociais, degeraçãodigital, émais
difícil demanter. Mesmo o sujeitomais pobre temacesso a informações. Fala-semuito no índio
brasileiro. Tenho viajado bastante pelo país e os índios brasileiros que eu conheci possuem tele-
visão e celular. Eles não usam tanga, usamcalção, e estão longe damiserabilidade.
E como essa descrição se relaciona com o livro?
O que quero dizer é que idealizamos demais e agora temos que adaptar nossas ideias. A
práxis era o saber conjugado com o fazer. Era o sujeito não alienado que se engaja por
uma luta pela promoção social dos fracos, pobres e oprimidos. Como é que nós podemos
nos engajar numa promoção social quando, no mundo inteiro, os pobres querem migrar
para os países ricos? A população da América Central quer migrar para os EUA, os árabes
e africanos das zonas de conflito buscam a Europa, os venezuelanos refugiam-se no Bra-
sil. Dessa maneira, como é que podemos falar em práxis em um mundo tão complexo? É
o que a quinta edição da Teoria Crítica do Direito pretende rever e já adianto: não se trata
da edição comemorativa dos meus 80 anos.
Mas o livro traz na capa uma referência a esse fato?
O que não significa que voume retirar da vida acadêmica. Sigo professor, sigo umpensador
contemporâneo. Nós temos que atualizar a Teoria Crítica do Direito porque a obra mantém
o seu viés questionador. Preserva a crítica epistemológica, a crítica social, política e jurídica.
O fato é que os juristas brasileiros ainda permanecem no século 19, desejando interpretar
a lei na base do dura lex sed lex, como se fazia na escola da exegese, e as coisas mudaram.
Nesta quinta edição do livro o senhor traz a macrofilosofia para a teoria crítica do
direito? O que é macrofilosofia e de que modo ela contribui para o seu pensamento?
A macrofilosofia é uma nova ideia da filosofia geral de um professor da Universidade de Bar-
celona, Gonçal Mayos, e a ideia dele é fazer filosofia emmoldes análogos à macroeconomia,
macrossociologia emacropsicologia. Macrofilosofia não é propriamente o estudo especulati-
vo da filosofia tradicional. Oque ela propõe, enquantomacrofilosofia do direito, é resgatar as-
pectos do direito, da sociedade, da política, da democracia e estudá-los sem que se vinculem
a uma disciplina, sem enquadrá-lo em um quadro epistemológico definido. É uma liberdade
total de pensamento em relação a esses objetos. O objeto é o repensar da própria filosofia
do direito. Posso dizer que quando estudamos o conceito de alguma coisa, nós a percebe-
mos universalmente dentro da filosofia. Isso é adotar o ponto de vista de Husserl, Heidegger,
Nietszche, Sartre e outros pensadores que acabamconvergindo paramacrofilosofia, embora
esta seja posterior a eles. Tudo se encaixa perfeitamente dentro dessa ideia do Mayos. Na
quarta edição da Teoria Crítica do Direito, que, como afirmei, foi publicada em espanhol, ele
escreveu o prefácio e definiumeu livro como umamacrofilosofia do direito. Na ocasião como
agora, eu não quis perder o título original, porque é um título já consagrado, mas decidi in-
cluir, em subtítulo, essa aproximação macrofilosófica da minha teoria.
De que maneira seu livro inspira o ativismo judicial?
Eu critico esse termo “ativismo judicial”. Acho que isso
não existe. O que existe é a hermenêutica jurisdicional,
a interpretação muito mais livre da Constituição pelos
juízes. Porque ativismo pressupõe uma ideologia políti-
ca definida. É como um cidadão que vai para a rua com
um cartaz de protesto. Os juízes não são ativistas no
sentido real da palavra. Mas existem teorias que com-
portam decisões que vão além da lei escrita e até con-
tra ela, ao menos na aparência. Porque essa lei escrita
não existe como lei, como vontade do legislador ou do
Estado. A lei só existe no momento em que é aplicada e
nessa aplicação ela pode ir além da letra da lei. Ora, por
que o ativismo judicial? Frente à omissão do legislativo
algumas cabeças pensantes e corajosas do poder judiciário resolveram inovar a legislação.
Adaptaram a letra da lei, especialmente a letra da constituição às necessidades da popula-
ção. A questão da prisão após o julgamento em segunda instância, por exemplo. A presun-
ção da inocência até o trânsito em julgado não significa que o réu condenado não possa ser
preso. O que os magistrados fizeram foi adaptar a Constituição Federal às condições pre-
mentes no mundo de hoje. Quando a Teoria Crítica do Direito foi publicada, sob inspiração
marxista, houve uma espécie de sacudidela no judiciário. Um chacoalhar da lógica das leis.
O que eu propunha era uma interpretação zetética, indagatória, voltada para a solução de
problemas teóricos das leis. O que eu propunha, em síntese, era sair do texto positivado,
desatar os nós dogmáticos para colocar a lei a serviço da população.
ENTREVISTA
as principais
categorias
da filosofia
marxista
perderam a
razão de ser no
mundo de hoje