ARTIGO
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O Direito, a moral e a
religião
N
o último dia 14 de agosto (2020), a Justiça
autorizou a prática de aborto em uma crian-
ça de 10 anos. A decisão foi despachada pelo
Juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara de Infância
e da Juventude de São Mateus, no Espírito Santo,
e causou uma série de manifestações nas redes so-
ciais, dividindo opiniões entre conservadores e pro-
gressistas. Inclusive, um grupo de conservadores re-
ligiosos realizou um protesto em frente ao hospital
onde a menina realizaria o procedimento médico,
com palavras de ordem que chamavam a criança e
o médico de “assassinos”. Vale ressaltar que a deci-
são do juiz foi precedida de um inquérito policial e
de exames médicos que tinham constatado a gravi-
dez, que já estava em seu quinto mês de gestação, e
foi averiguado que os abusos sexuais na criança, pelo companheiro da tia, aconteciam
há pelo menos 4 anos. A tia informa que não havia denunciado as práticas de abuso se-
xual porque era ameaçada.
O que gostaria de chamar a atenção nesse caso concreto é a relação entre o Direito, a mo-
ralidade e a religião e trazer para a discussão a contribuição de um grande jurista chama-
do Hans Kelsen. Em sua obra "Teoria Geral do Direito e do Estado", mais especificamente
no tópico que pretende discorrer sobre o conceito de Direito, o autor procura realizar a
distinção entre essas três ordens sociais que ele denomina de Direito, Moral e Religião. As
três instâncias fazem parte de uma técnica social específica de uma ordem coercitiva: to-
das elas exercem uma coerção, embora o método utilizado por cada qual seja diferente.
A título de exemplo, podemos destacar que tanto o Direito, quanto a moralidade e a
religião proíbem o assassinato. A diferença entre essas ordens sociais é de que o Direi-
to, diante um ato como o assassinato, estabelecerá uma medida de coerção prescrita
pela ordem jurídica, designando a outro homem (uma autoridade) o dever de avaliar qual
prescrição deve ser aplicada. Já a moralidade se limitará apenas a exigir que não seja co-
metido assassinato, por meio da máxima “não matarás”. A diferença entre essas duas