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ARTIGO
Meninas superpoderosas
contra a violência de gênero
O
enfrentamento da violência doméstica e fa-
miliar contra a mulher demanda a formação
de meninas superpoderosas. A percepção é
fruto das manifestações de centenas de alunas de es-
colas públicas em eventos como “Profissões”, inicia-
tiva aplicada em unidades de ensino da Zona Leste da
capital paulistana.
As certezaseasdúvidasqueafirmamtêmcolocado inte-
grantes de instituições como oMinistério Público como
um todo e o MPD em particular a refletir sobre novas
estratégias de abordagem sobre o tema. Para isso, uma
compreensão do atual contexto emque a causa está in-
serida precisa ser atualizada.
A Vara Especial de Violência Doméstica da Zona Leste
contemplaaproximadamentevintee seismil processos;
milhares de mulheres, das mais variadas faixas etárias,
depois de alguns anos de ciclos de violência, romperam
com o silêncio e solicitaram ajuda do sistema de justiça.
Uma rota crítica que se estabelece em cada um dos fei-
tos e em meio a um cem número de obstáculos, como
desde relatos demal atendimento em serviços públicos
até o reconhecimento das diversas estruturas negligen-
ciadas do Estado.
Mulheres cujas histórias de apequenamento e opres-
são vem de longa data, desde crianças, marcadas pela
intolerância de gênero, raça e classe social; por fatores
estruturados e estruturantes. Uma em cada cinco das
crianças nascidas no Brasil são de meninas menores de
19 anos, de acordo com levantamento feito pelo Data-
Sus. E esse número cresceu emdez anos.
O Brasil é o primeiro da América Latina em casamento infantil. Segundo o Banco Mundial, 36%
das brasileiras se casamantes dos dezoito anos: são quinzemilhões demeninas todos os anos.
StellaMaris Romero de Aranda e Claudia Brunelli apontamque setenta por cento dos casos de
gravidez na adolescência não são desejados. Dentre as consequências, muitas dessas jovens
mães paramde estudar, estãomais sujeitas àmenor renda quandoadultas, sãomais suscetíveis
ao estupro no casamento e à violência doméstica.
A Nota Técnica Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde realizada a par-
tir de informações de 2011 do Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério
da Saúde (Sinan), aponta que 527.000 estupros ocorrem por ano no Brasil. 89% deles atingem
mulheres; 50% atingem crianças menores de treze anos. E os autores da violência sexual são as
pessoas mais próximas, comquemas meninas detém intensos laços de confiança.
A mesma Nota Técnica aponta que 11,3% de todo o volume dos estupros envolvendo crianças,
foram praticados pelos próprios pais; também, que 15% dos estupros são os chamados “coleti-
vos”, eis que cometidos por duas oumais pessoas. E recentemente, sobreveio notícia de que as
notificações dos estupros coletivos dobraramemcinco anos.
E não há dúvida de que as consequências da violência sexual para crianças e adolescentes são
extremamente gravosas, haja vista que estão emdesenvolvimento e emprocessode formação
psicológica da autoestima.
Muitas outras faces violentamnossas meninas.
A exploração sexual infantil, entendida como a violência sexual que pressupõe uma relação de
mercantilização na qual o sexo é fruto de uma troca, ainda que subnotificada é uma realidade
que movimenta cifras bilionárias e percorre por 17% dos municípios de todo o país segundo a
Organização das Nações Unidas; a ONU também aponta a internet como um campo fértil de
vulnerabilidade e violência para as meninas, que são a maioria das vítimas de abuso e explo-
ração sexual: em 2013, 81% dos materiais que continham abuso sexual de crianças retratavam
meninas, que tiveram a transmissão indevida de suas imagens e foram ainda vítimas de abuso
por meio da internet.
A pesquisa da Plan International “Por ser menina no Brasil - Crescendo entre Direitos e Violên-
cias”, também traz uma realidade de desigualdades de gênero no campo do trabalho domés-
tico, pois enquanto 76,8% lavam louça e 65,6% limpam a casa, apenas 12,5% dos seus irmãos ho-
mens lavama louça e 11,4% dos seus irmãos homens limpama casa. Amesma pesquisa confirma
que sãoasmães quemais cuidamdasmeninasmesmoquando trabalhamfora indicandonão só
que o cuidar anda é percebido como algo exclusivo do âmbito feminino, como a dupla ou tripla
jornada damãe.
A agência “Énois Inteligência Jovem” realizou, em parceria com o Instituto Vladimir Herzog e
Foto: Divulgação