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OPINIÃO
O risco do art. 10-c da Medida
Provisória nº 868/2018 para o
direito fundamental de acesso
ao saneamento básico
Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o impacto que o art. 10-C da Medida Provi-
sória nº 868/2018 pode causar na universalização do acesso aos serviços de água e esgoto
e seu reflexo na realização do princípio da dignidade humana, ante a quebra da política
de "subsídios cruzados". Haverá inversão da lógica social no saneamento básico, fazendo
que os pobres passem a pagar mais caro pelos serviços essenciais de água e esgoto, situ-
ação que pode restringir ainda mais o acesso a estes serviços, atrasando ou até mesmo
inviabilizando a universalização destes, com consequências nefastas para a saúde pública
e o meio ambiente.
INTRODUÇÃO
O presente estudo aborda assunto extremamente relevante ligado ao acesso aos servi-
ços de abastecimento de água tratada, coleta e tratamento do esgotamento sanitário.
Inicia-se o estudo pela demonstração de que a universalização dos serviços de água e es-
goto está diretamente relacionada à realização do princípio constitucional da dignidade,
ante aos reflexos na saúde pública e no meio ambiente.
No desenvolvimento do trabalho é apresentada a relevância da política de "subsídios cru-
zados" no setor de saneamento, assim como os riscos que a ruptura desta política, espe-
cialmente para as populações mais carentes, que residem emmunicípios menores e mais
afastados dos grandes centros e que poderão passar a pagar mais caro pelos serviços ou
até mesmo ter o acesso inviabilizado.
Analisa-se a introdução do art. 10-C na Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, pela Medida
Provisória nº 868 de 27 de dezembro 2018, o qual privilegia a iniciativa privada quando da
delegação de serviços pelo Poder Público, situação que pode lhe direcionar a prestação
dos sistemas superavitários de água e esgoto, relegando para o Estado o atendimento
apenas de sistemas deficitários e os riscos da quebra da política de "subsídios cruzados"
no Brasil.
A metodologia utilizada na pesquisa é teórico-bibliográfica, documental, analítica, descri-
tiva, empírica e crítica.
1 - A UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO E
O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
Pelo modelo social implementado pela Constituição de 1988 (art. 1º, II), a dignidade hu-
mana é princípio basilar de nossa República, devendo o Estado garantir e efetivar para
todos os cidadãos os direitos e garantias fundamentais para a realização deste princípio,
ou seja, de implementar políticas públicas que garantam a realização dos direitos básicos
da população.
A universalização dos serviços de água e esgoto impacta positivamente para a consecu-
ção de outros direitos sociais.
O texto constitucional
1
e a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde - SUS)
2
expressamente
reconhecem o saneamento básico como fator determinante e condicionante da saúde,
automaticamente reconhecem a vinculação dos serviços de água e esgoto a direitos so-
ciais e fundamentais para se viver dignamente.
3
Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer bem destacam que "o direito humano - e fun-
damental - à água potável e ao saneamento básico cumpre papel elementar não apenas
para o resguardo do seu próprio âmbito de proteção e conteúdo, mas também para o
gozo e o desfrute dos demais direitos humanos".
4
1
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da
lei: (...) IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico".
(BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://
>. Acesso em: 29 mar. 2019).
2
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimen-
tação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o trans-
porte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam
a organização social e econômica do País. (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.080 de 19 de setembro de
1990 - Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://
. Acesso em: 29 mar. 2019).
3
Sobre a fundamentalização dos direitos sociais, ver: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos
fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 499.
4
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Estu-
dos sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011, p. 117.