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Na legislação anterior (PLANASA), assim como na vigente, forammantidos os instrumen-
tos tarifários aptos a possibilitar a cobrar um preço mais elevado dos usuários de maior
poder aquisitivo, a fim de praticar tarifas mais acessíveis para os usuários menos favore-
cidos (princípio da solidariedade).
A política tarifária baseada em subsídios cruzados também possibilita o atendimento de
localidades ou sistemas deficitários, com os recursos captados nos superavitários. Para
tanto, estipula-se uma tarifa uniforme para todos os sistemas operados pelas companhias
de saneamento básico, fundada no equilíbrio econômico e financeiro de todos estes sis-
temas operados em regime de escala (deficitários e superavitários).
Desta forma, todos os custos, despesas e receitas dos sistemas operados compõe uma
única planilha tarifária, o que possibilita prestar um serviço de mesma qualidade em to-
dos eles (princípio da regularidade), independentemente do resultado financeiro ser po-
sitivo ou não.
Com isso, se pretende afastar o risco de que sistemas maiores, em regra ocupados por
populações de maior renda (superavitários), tenham uma tarifa menor; enquanto siste-
mas menores, via de regra constituídos por populações carentes (deficitários), tenham
que arcar com tarifas elevadas para fazer frente aos custos dos sistemas.
A adoção das políticas de subsídios cruzados tem evidente cunho social. Pretende-se com
elas expandir os serviços para as localidades menores e mais distantes (quase sempre
deficitárias), bem com o atender aos usuários de baixa renda com tarifas módicas e que
possibilitem o acesso aos serviços de água e esgoto.
Para tanto, a Lei 11.445/2007, no seu art. 3º, inc. VII define os subsídios "como um instru-
tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos
serviços.
Art. 31. Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão, de-
pendendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos:
I - diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao presta-
dor dos serviços;
II - tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fiscais, quando decorrerem da alocação de
recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções;
III - internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e de prestação
regional. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacio-
nais para o saneamento básico. Disponível em: <
-
2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 29 mar. 2019).
mento econômico de política social para garantir a universalização do acesso ao sanea-
mento básico, especialmente para populações e localidades de baixa renda", competindo
ao regulador estabelecer a forma de aplicação destes subsídios, de maneira a evitar que
eles sirvam para cobrir custos de ineficiências operacionais, administrativas e financeiras
dos prestadores.
Como destaca Leo Heller, trata-se, portanto, de uma ferramenta que faz com "que os
mais ricos paguem mais e os mais pobres paguem menos, uma transferência interna no
sistema de cobrança"
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4 - A POTENCIAL QUEBRA DA POLÍTICA DE "SUBSÍDIOS CRUZADOS" PELO
ART. 10-C DA MP 868/2018
No dia 6 de julho de 2018, na manhã que precedia um jogo do Brasil na Copa do Mun-
do, a Presidência da República anunciou a Medida Provisória nº 844/2018, publicada em
9/7/2018, com vistas a atualizar o marco legal do saneamento básico e transferir para a
Agência Nacional de Águas (ANA) a competência para editar normas nacionais para o se-
tor, isto sem nenhum tipo de discussão com a sociedade.
A medida foi processada no Congresso nacional e caducou sem ser posta em votação.
Encerrada a sessão legislativa, menos de 3 (três) meses depois da caducidade da MP
844/2018, o Governo Federal, no dia 27/12/2018 reeditou praticamente o mesmo texto le-
gal na Medida Provisória nº 868/2018, publicada em 28/12/2018,
Além de possível vício de formalidade, eis que o mesmo Presidente, num prazo de 6 (seis)
meses, editou duas MPs com o mesmo texto legal, um dos artigos inseridos na medida é
potencial de causar sérios prejuízos para o saneamento, podendo, inclusive, comprome-
ter a universalização dos serviços de água e esgoto.
Dada a relevância do saneamento básico para a realização de vários direitos sociais asse-
gurados pela Constituição da República (saúde, vida, liberdade entre outros) não parece
adequado que se imponham regras de maneira arbitrária e antidemocrática (não existe
urgência), por medida provisória, ainda mais reeditando MP que caducou no mesmo ano.
No texto da MP existem várias situações de constitucionalidade duvidosa envolvendo a
titularidade dos serviços, a centralização das diretrizes de regulação na Agência Nacional
de Águas (ANA), a possibilidade de converter contratos de programa em contratos de
concessão de natureza distinta entre outras.
Porém, o dispositivo que mais causa preocupação é a introdução do art. 10-C na Lei nº
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HELLER, Leo. The crisis in water supply: how different it can look through the lens of the
human right to water? Cad Saude Publica 2015; 31(3):447-449.
OPINIÃO