Revista Ações Legais - page 48-49

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oi com preocupação que as trabalhadoras e os
trabalhadores receberam a notícia de que algu-
mas empresas estatais, como a Petrobrás e o
Banco do Brasil, determinaramque seus empregados
se demitam após o deferimento dos seus pedidos de
aposentadoria concedidos pelo INSS. A nova ordem
está fundamentada nas recentes regras da reforma
da Previdência, que entraram em vigor em novem-
bro de 2019.
Como exemplo citaremos o caso do Banco do Brasil,
em que foi alterada a norma interna IN 380, que trata
da aposentadoria de seus funcionários, passando a
prever, em seus itens 1.1.5 e 1.1.6, que cabe ao fun-
cionário que tiver a aposentadoria concedida solici-
tar o seu desligamento (com perda de importantes
verbas rescisórias, como a multa sobre os depósitos
do FGTS). A norma segue afirmando que o funcioná-
rio que deixar de pedir o seu desligamento poderá
sofrer sanções disciplinares, ensejando até mesmo
demissão por justa causa.
Inicialmente, chama a atenção a incoerência entre o
instituto do pedido de desligamento, em realidade
um pedido de demissão -- que é, por excelência a li-
vre manifestação de uma vontade -- e a aplicação de
pesada penalidade na eventualidade dessa manifes-
tação não ocorrer quando o empregador a deseja. A
coação é confessada e esvazia integralmente a vo-
luntariedade que é pressuposto mínimo de qualquer
A inconstitucionalidade da
demissão por justa causa
em estatais
pedido de desligamento válido.
Não é demais relembrar que o legislador constituinte, por meio dos artigos 7º, I, da Cons-
tituição e 10º do ADCT, deixou claro que a esperada continuidade é princípio indissociável
da relação de emprego, rompendo-se apenas nos termos da legislação ou com a livre ma-
nifestação da vontade do empregado.
Assim, obrigar o empregado a pedir o seu desligamento, sendo seu silêncio considerado
uma infração disciplinar, apenas pelo exercício do direito de se aposentar pelo Regime
Geral da Previdência Social, é medida que colide tanto com o instituto do contrato de tra-
balho, como com a própria natureza livre e autônoma dos pedidos de demissão válidos.
Acrescente-se que esse não é o único aspecto das medidas adotadas pelas referidas em-
presas estatais que desrespeita o ordenamento jurídico. Apesar de os comunicados, vei-
culados até aqui pela mídia, fazerem menção a um suposto cumprimento do que está
previsto no novo parágrafo 14º do artigo 37 da Constituição Federal, introduzido pela
Emenda Constitucional nº 103 (a chamada Nova Previdência), a medida, na verdade, viola
a Constituição.
Deve-se ter claro que o texto da reforma constitucional se limita a, de forma muito
vaga, afirmar que haverá o rompimento do vínculo que gerou o tempo de contribui-
ção, sem maiores detalhamentos. Assim, mesmo que a novidade venha a ser declarada
constitucional -- o que pode não se concretizar -- sua implementação antes que diversos
aspectos sejam resolvidos pela legislação infraconstitucional é, no mínimo, uma medi-
da prematura.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal já apreciou norma legal com conteúdo semelhan-
te e, no julgamento das ADIs 1721 e 1770, estabeleceu que a regra infraconstitucional que
previa a utilização da concessão de aposentadoria como motivo para a ruptura, com justa
causa, do vínculo laboral, fere diversos artigos constitucionais. A fundamentação adota-
da naquela oportunidade se enquadra perfeitamente para o questionamento do atual
posicionamento das empresas estatais.
Não se deve perder de vista que o artigo 1º, IV, da Constituição afirma que nossa Repú-
blica tem como fundamento os valores sociais do trabalho. Em acréscimo, o artigo 170
expressamente afirma que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social. A ordem social, um dos princípios norteado-
res de todo o texto constitucional, tem como base o primado do trabalho, com o objetivo
de alcançar o bem-estar e a justiça social (artigo 193).
A aposentadoria, inclusive a voluntária, surge do texto constitucional como um benefício
que integra a vida do trabalhador por meio do exercício regular de um direito, que se ve-
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