ARTIGO
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Os novos polos de poder
A
s crises não se esgotam em tempo marcado.
Constituem um fenômeno que perpassa a
linha do tempo. Como a água corrente, que
descobre as entrâncias e reentrâncias das rochas até
encontrar o mar, as crises fluem ao correr das cir-
cunstâncias, gerando efeitos maiores ou menores,
abrindo rumos, redefinindo caminhos. A crise sanitá-
ria, provocada pela pandemia do Covid-19, impulsio-
nará a ação dos governos na trilha da saúde. A crise
econômica provocará sequelas sobre os conjuntos sociais, abaixando o índice do Produto
Nacional Bruto da Felicidade. Servirá de alerta. E a crise política já começa a deixar nossos
representantes de “barba no molho”.
Se há uma consequência que soma os componentes das três crises em curso, esta é o
avanço da participação social no processo político. Saturada de promessas não cumpri-
das, indignada com a má qualidade dos serviços públicos, descrente com as figuras que,
periodicamente, aparecem no cenário como “salvadores da Pátria”, a sociedade dá um
passo adiante no sentido de criticar, exigir, cobrar, querer mudar. Quer dizer, decide par-
ticipar com mais força do sistema de decisões.
Em alguns países, principalmente na Europa, este direcionamento é bem desenvolvido,
ganhando a designação de “auto-gestão” técnica, pela qual as pessoas escolhem seus
objetivos e os meios para alcançá-los, não aceitando mais a tutela dos políticos. O sen-
timento é de que a água transbordou no copo. Tal tendência exibe maior organicidade
social. Grupos, núcleos, setores, desencantados com os obsoletos e tradicionais padrões
de operar a política, querem, eles mesmos, definir suas ações. A taxa de cidadania ganha
força.
Aliás, a crítica que se faz à democracia representativa já vem de décadas. Bobbio, em seu
clássico O Futuro da Democracia, descreve as promessas não cumpridas por ela, entre as
quais, a educação para a cidadania, o combate ao poder invisível, as oligarquias, a falta
de transparência dos governos, o acesso de todos à justiça. Estes fenômenos se somam
a outros, convergindo para o distanciamento entre sociedade e representação política.
Como podemos dar outra interpretação a esse novo estado? Significa que a sociedade se
organiza em entidades de referência, como sindicatos, associações, federações, grupos