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currículos escolares, em todos os níveis de educação, contemplando programas educacionais sobre direitos das mulheres e
igualdade de gênero. E também a conscientização da mídia sobre seu papel na promoção dos direitos humanos, da não vio-
lência e não discriminação.
A Defensoria Pública e o serviço de assistência jurídica gratuita, acrescenta a advogada, também são fundamentais para
garantir o acesso irrestrito das mulheres aos serviços, que devem ser prestados de maneira oportuna, contínua e efetiva em
todos as etapas dos procedimentos judiciais.
A advogada lembra que no Brasil ainda se fala muito pouco sobre a reparação às vítimas e sobreviventes da violência. “Não
temos nenhum fundo de reparação específico ou possibilidade de alocação em fundos existentes”. É algo para se pensar, prin-
cipalmente quando se propaga nos espaços jurídicos a cultura da culpabilização das mulheres sob o argumento da “alienação
parental” como estratégia de defesa nas ações que envolvem denúncias de violência de gênero contra mulheres e meninas.
Por fim, Sandra Lia observa que são escassos, frágeis e de difícil acesso os dados e informações sobre violência de gênero
contra as mulheres, fato que “traz obstáculos ao monitoramento e o desenvolvimento e avaliação da legislação, das políticas
e programas de enfrentamento”.
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Sororidade nas ideias, atitudes e mudanças legais
para evitar a cultura do feminicídio
“O protagonismo histórico da mulher informa a essência deste sintoma chamado feminicí-
dio nos tempos atuais”, observa a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná, Lenice
Bodstein, referência na defesa dos direitos da mulher no Paraná. “Vasculhando as ideias
ancestrais verifica-se que todo fenômeno social tem seu nascedouro na evolução ,ou invo-
lução, da humanidade. Comamulher não é diferente. Alguns enfoquesmerecemser lembra-
dos. A reversão do papel de menosprezo à condição de pessoa transitou pelo trabalho, pela
educação, pela política e agora pela inteligência emocional”.
De acordo com ela, persistem preconceitos simulados, ou escancarados, ao papel da mulher
como pessoa na sociedade. “E esta semeadura colhe safras e safras de resultados danosos às
mulheres imediatamente e a todas as pessoas de forma mediata”, frisa.
“Alterar mitos, ideias implantadas, memórias equivocadas traduzem a dicotomia que vive a
família brasileira nos dias atuais. A parentalidade, ou seja, o cuidado no trato e na educação,
a assistência econômica e o afeto aos filhos estão avançando commais celeridade pela com-
preensão e necessidade emocional e psíquica do homem em sua paternidade que tende a ser
responsável . Porém esbarra ao tempo de ambiguidade da quebra da conjugalidade em face
dos filhos e ressurge das trevas do passado histórico omovimento da violência patriarcal e do
poder exercido pelo homen em face damulher, quer por tradição, quer por pseudomoralida-
de, quer por se amparar emmito assecuratório de uma posição que não mais lhe pertence”,
contextualiza a desembargadora.
Lenice observa que “é verdadeiro que a mão que desfecha o golpe de morte na mulher por
conta da relação afetiva ou do ambiente doméstico também está sob a égide do poder da Lei
nãomais contaminada pela desigualdade e pelo desrespeito à vida da mulher. E esta é a
missão da sororidade. Asmulheres precisam, sim, proteger a si e as outrasmulheres emvulnerabilidademaior do que a sua. Este
é o caminho. Ninguémmais sabe a dor da humilhação e da ferida física frente aos filhos e aos familiares e o eternomartírio dos
que ficam desalojados de amor e carinho materno e filial porque o companheiro, o marido, o namorado, o amigo, lhe retirou a
vida e deixou o sangue jorrando no coração de cada umque fica”.
Na visão de Lenice, a liderança feminina está vibrando emtodos os lares comautonomia de pensamento e de ações e não hámais
espaço para submissão sem compreensão ou concordância efetiva pela palavra e por argumentos.
Adesembargadora destaca que “ainda estamissão é dasmulheres. Nãohá força física vencível emface da vulnerabilidade natural
do corpo damulher. Porém, há forçamental e intelectual para o enfrentamento conjunto”. De acordo comela, esta é a guerra atu-
al a ser vencida com a natureza sensível feminina e com a coragem invencível da lutadora pela família, pela sociedade e por seu
país. “É preciso arar, cozer, trabalho como sempre fez nas guerras mundiais e nas lutas tantas de nossa história brasileira. Porém,
nãomais com arado, commáquinas, com enxadas, com tesouras e artefatos físicos”, pontua.
“Comsororidade nas ideias, atitudes e argumentação emudanças legais para preservar a integridade física e psíquica damulher
com igualdade para que as futuras brasileirinhas, independente do físico ou mental comprometido, cor, raça, sexo, etnia, ori-
gem, pele, ou outro preconceito, encontrem ummundo reeducado para a vida paritária em direitos e deveres compartilhados e
definidos pela natureza e pela inteligência de todas as pessoas’, descreve.
Lenice depõe que “afinal, Simone du Beavoir estava certa, no universo em que vivemos, as mulheres não nascem... tornam-se
mulheres.”
Desembargadora Lenice
Bodstein