Revista Ações Legais - page 50-51

ARTIGO
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O papel iluminista do STF
Por Fernando Mânica, doutor em Direito
e professor do mestrado em Direito da
Universidade Positivo
Foto: Naideron Jr.
P
arece final de campeonato. Imprensa noticia
intensamente a data e hora do embate, analisa
o perfil de cada jogador. Comentaristas proje-
tam a disputa e o resultado. A cada decisão do Supre-
mo Tribunal Federal (STF) com potencial de interferir
nos trabalhos da força-tarefa da Lava Jato, em Curi-
tiba, os holofotes brilham com máxima intensidade
sobre a corte. O problema é que o excesso de luz,
não raro, acaba ofuscando a visão de todos. A recen-
te decisão acerca da competência da Justiça Eleitoral
para julgar crimes eleitorais e crimes a eles conexos é
exemplo desse fenômeno.
O envolvimento da mídia e do grande público em
decisões judiciais não é em si nociva. A questão fun-
damental, contudo, parece residir no deslocamento
para o STF da arena própria para a disputa. Isso por-
que o canal do debate jurídico é delimitado por re-
gras e princípios postos no texto constitucional. Não
por outro motivo, deve haver uma calibragem nas
expectativas geradas por decisões judiciais.
Ainda que não se trate da aplicação cega da lei ao
caso concreto, não é possível que o julgador escolha
a solução preferida para depois encontrar fundamen-
tos que a justifiquem. Pior ainda, não se pode decidir
com base em argumentos desconectados da ordem
jurídica vigente. Democracia exige respeito às regras
do jogo, as quais se encontram plasmadas no texto
constitucional. Goste-se ou não delas, seu respeito é
pressuposto para a manutenção da civilização cons-
truída no Brasil ao longo dos séculos.
Isso não significa dizer que já atingimos o suprassu-
mo da virtude, com um ordenamento jurídico-cons-
titucional capaz de atender e solucionar de forma
perfeita todos os conflitos e mazelas sociais do país. Pelo contrário. Mas o caminho para
tanto é o debate político realizado por políticos com argumentos políticos na arena polí-
tica.
Acontece que é justamente a fundada descrença no mundo político que transferiu pai-
xões e esperanças ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, políticos corruptos jamais trava-
rão debates cujo resultado possa diminuir seus benefícios, limitar suas garantias ou am-
pliar o combate a seus desvios.
O ceticismo nos políticos e no direito por eles criado ao longo de nossa história não pode,
contudo, gerar seu abandono. Precisamos de políticos e precisamos do direito. Apenas
por meio deles é que as mudanças podem ocorrer. A soberania popular consagrada nos
textos constitucionais modernos traz os mecanismos para que isso aconteça. Tanto que
grande parte das casas legislativas teve importante renovação, gerando expectativa de
que os novos representantes promovam as mudanças necessárias.
No mais recente julgamento midiático do STF, tão clara quanto a falta de estrutura da
Justiça Eleitoral para julgamento de crimes complexos é a previsão constitucional e legal
da competência da Justiça Eleitoral para julgamento dos crimes correlatos a delitos elei-
torais.
Isso não significa que não seja legítima e salutar a manifestação de todos os envolvidos
na questão, em especial dos membros da força-tarefa da Lava Jato. Mas, uma vez não
sufragada a tese pelo órgão máximo do Poder Judiciário, cabe à sociedade e à imprensa
levar o brilho dos holofotes para o Congresso Nacional. Lá, ainda que os limites da Cons-
tituição também prevaleçam, a amplitude da argumentação é maior e o resultado tende
a agradar mais cidadãos.
Que a população passe a conhecer os partidos, seus líderes, suas ideias e suas bandeiras
como hoje conhecem cada um dos ministros do STF. Que as discussões no legislativo se-
jam transparentes e transmitidas ao vivo, que os legisladores sejam criticados e percam
votos por suas opiniões. Que o Poder Legislativo recupere seu papel de representação e
criação do direito, conforme previsto pela Constituição.  
E que o STF exerça sua função iluminista nesse processo. Não para arvorar-se em criador
de uma nova ordem jurídica demandada pela maioria da sociedade, mas para manter
fidelidade ao texto constitucional, fazendo com que os holofotes sejam direcionados a
quem de direito.
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