Revista Ações Legais - page 48

ARTIGO
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Como é sabido, o endurecimento das leis penais não diminui a criminalidade ou mesmo à
previne. Não é de hoje que o legislativo aprova medidas mais rígidas contra a violência, as
quais, na prática, não serviram para inibir o agente de praticar crimes.
Um exemplo é a Lei dos Crimes Hediondos, em vigor desde 1990, apesar de estabelecer
penas mais duras para determinados crimes, tornando-os insuscetíveis de anistia e indul-
to, além de estabelecer maior rigor para a progressão de regime, não se pode dizer que
houve diminuição na prática de latrocínios, homicídios qualificados, sequestros e estu-
pros.
Na mesma linha é o surgimento das Leis de Improbidade Administrativa e a Lei de Drogas
(2006) que passou a punir com mais rigor os traficantes, e, principalmente, em 2013, a lei
que ampliou o conceito de crime organizado e introduziu a polêmica delação premiada.
Ora, em nenhum dos casos houve redução dos delitos. De acordo com pesquisa realiza-
da pelo Atlas da Violência, a taxa de homicídios aumentou 13% de 2006 a 2016. Quanto
aos crimes de improbidade e tráfico, cada vez mais são vistos como prática difundida na
sociedade, seja pela corrupção sistêmica que assola o país ou pelo aumento do uso de
entorpecentes em todas as classes sociais.
É evidente que a simples mudança na legislação, ainda que voltada para uma maior re-
pressão, não trará, necessariamente, diminuição na corrupção, no crime organizado e
nos crimes praticados com violência à pessoa.
O crime organizado brasileiro é subproduto da crônica falta de investimentos empolíticas
públicas para prevenir a criminalidade e da ineficiência da polícia judiciária em investigar
os delitos e apontar os reais responsáveis.
Nos países mais avançados, com políticas criminais democráticas, o governo tende a ado-
tar ações públicas estruturadas que previnam a criminalidade e não punam apenas a con-
sequência. Tais países, se empenham na criação de medidas alternativas à prisão e na
consequente diminuição do número de penitenciárias.
Ora, ninguém deixa de praticar um crime por medo de ser aplicada uma pena alta. O
agente que comete o delito já sabe que terá consequência, mas não acredita na eficiência
do sistema em descobri-lo e o faz, nos casos das classes sociais mais baixas, por não ter
tido outras opções quando mais jovem.
O projeto de lei “anticrime”, neste aspecto, em nada ajuda. Ao contrário, mantem a es-
trutura inquisitória e punitiva, deixando o país de braços com o atraso, em total desres-
peito à Constituição e as garantias fundamentais nela previstas. 
Não é por outro motivo que, já prevendo as inevitáveis críticas que seu projeto iria sofrer,
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