Revista Ações Legais - page 48-49

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ARTIGO
A busca organizada de
interesses: desmistificando
o lobby no Brasil
Por Patricia Griebeler, advogada
A
defesa de interesses próprios é inerente à condi-
ção humana. As pessoas orientam-se emdireção
a suas preferências e objetivos. Dessa forma, é
razoável que grupos de pessoas com um interesse em
comum unam forças para aumentar seu poder de influ-
ência e alcançar os seus propósitos. O mesmo farão as
empresas e entidades não governamentais. E esta defe-
sa de interesses, organizada e realizada especificamente
diante de autoridades públicas, é chamada de lobby.
O termo vem da língua inglesa, inspirado diretamente
nos saguões de hotéis e salas de espera de prédios pú-
blicos, locais em que historicamente os influenciado-
res aguardavam por políticos para abordá-los e expor
suas questões.
A prática de lobby deve ser entendida como uma for-
ma de transmissão de informações entre grupos de
interesse e tomadores de decisão. O que define a ati-
vidade do lobista é a persuasão racional. O praticante
de lobby tenta convencer os tomadores de decisão
por meio de argumentação sólida sobre a pertinência
do tema que defende.
Assim, é possível delimitar o alcance do lobby: enquan-
to a persuasão for mantida no campo racional, trata-se
de atividade lícita e bastante válida; a partir domomento
em que a persuasão incluir o oferecimento de propinas,
benesses e promessas de vantagens, invade-se o campo
da corrupção e tráfico de influência.
Ainda que a atividade de lobby seja bastante distinta da
prática de atos ilícitos, o que ocorre é a sua depreciação
devido à desinformação. Existemmais de 2mil profissionais do setor no Brasil, segundo a Asso-
ciação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), referidos como consulto-
res, analistas políticos oude relações governamentais. Aatividadenãoé crime, tampouco ilegal.
Apenas encontra-se sem regulamentação e envolta emuma – injusta – aura de desconfiança.
Há umprojeto de lei ainda em trâmite no Congresso sobre o tema (PL 1.202/2007 Câmara), que
busca regulamentar a atividade por meio de umcadastro federal perante oMinistério da Trans-
parência e de prestação de contas anual ao TCU. Dessa forma, os lobistas teriam credenciais
próprias para entrar e sair de prédios públicos e estariamobrigados a divulgar para quemestão
trabalhando. Ainda, propõe regras específicas eprazos dequarentena para que ex-funcionários
públicos passema atuar na área de forma privada.
Não há consenso sobre a eficácia da regulamentação da atividade do lobby. Vários países ado-
taram diferentes graus de regulamentação, correspondentes às demandas sociais e culturais
de cada local. Ao passo que alguns países como os EUA são considerados altamente regulados
– por exigirem um cadastro prévio, declaração de recursos financeiros e divulgação de infor-
mações – outros países variam entre apenas exigir cadastramento para serem declaradas as
movimentações financeiras ou os clientes atendidos. Os países europeus, de forma geral, pos-
suempouco ou nenhum controle obrigatório, porém, todos possuemalguma regulamentação
ou projetos em trâmite.
Há um duplo viés decorrente da regulamentação. Ao mesmo tempo em que o cadastro traz
transparência às relações mantidas entre influenciadores e influenciados, corre-se o risco de
criar empecilhos para indivíduos que busquem contato com agentes públicos. Consequente-
mente, haveria uma marginalização de qualquer interessado não afiliado ou cadastrado, crian-
do uma espécie de categoria exclusiva capaz de realizar essas demandas.
Outro efeito será um aumento na burocracia, pela necessidade de organizar, manter e moni-
torar os cadastros, as movimentações financeiras e os clientes atendidos. Ademais, não há um
benefício palpável relacionado ao cadastramento. Os indivíduos habituados à pratica de influ-
ênciamesclada com corrupção não teriam razão alguma para cessar essas práticas e cadastrar-
-se – apenas continuariam realizando suas atividades por meios escusos. Apenas aqueles que já
atuamdentro de parâmetros éticos sujeitar-se-iamao cadastramento.
Independentemente da regulamentação da atividade ou não, o que poderá desmistificar a ati-
vidade do lobby é a formação de confiança social. Caberá aos brasileiros avaliar se um forte
arcabouço jurídico será necessário para consolidar o caráter de atividade legítima, ética, trans-
parente e de genuína defesa de interesses do lobby.
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