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disposição, em termos penais, apresenta duvidosa constitucionalidade, devendo, desde logo,
ser objetodeprofunda análise jurídica sobre a natureza desta norma, além, evidentemente, das
circunstâncias pessoais do contribuinte disposto à repatriação.
Outro problema bastante complicado reside nos tipos penais que serão objeto de anistia.
Por exemplo, a lei previu, em termos gerais, os tipos de falsidades documentais (material
e ideológica) previstos no Código, esquecendo-se que, no tocante às falsidades, existe um
espectro muito grande de outros delitos, cuja essência também consiste na existência de
falsos. Imagina-se aqui os crimes falimentares, societários, relacionados ao mercado de ca-
pitais e instituições financeiras etc. Mais uma vez, todos estes aspectos devem ser objeto
de amplo estudo por parte dos candidatos ao ingresso, haja vista as peculiaridades e os ris-
cos a envolver cada uma das operações.
O mesmo ocorre com o dilema a respeito da correta forma de declarar. A Lei 13.254/2016
afirma textualmente que deverão ser considerados apenas os valores existentes no exte-
rior em 31 de dezembro de 2014, ou seja, bastaria uma fotografia deste momento pontual.
Já as autoridades administrativo-fazendárias alegam que deverão ser também declarados,
com a respectiva incidência de tributo e multa, todos os valores já existentes, ainda que
gastos. Nesta lógica, não seria suficiente a mera fotografia, mas a exigência recairia na re-
construção pretérita de todos os ativos, isto é, um filme composto por diversas cenas. Ta-
manho é o imbróglio sobre a questão que o próprio Governo Federal já dialoga com o Con-
gresso Nacional a possibilidade de regras mais claras, inclusive com a dilação do prazo para
o ingresso no regime de novos e potenciais contribuintes.
Vale aindamencionar, no espaço que compete a este texto, o risco sempre existente da utiliza-
ção das informações prestadas para iniciar uma persecução penal em desfavor do candidato a
ingressante. Ainda que a lei afirme que a declaração, por si só, não poderá ser utilizada para fins
de investigação criminal, sempre resta a dúvida destes limites, principalmente a se pensar nas
comunicações que poderão ser feitas entre a Receita Federal e o Ministério Público. Eis aí mais
um risco a ser aferido.
De todomodo, a legislação, acompanhandodiversas outras experiências internacionais, parece
vir em boa hora, merecendo, entretanto, reparos e ajustes com a finalidade de garantir, princi-
palmente, a segurança jurídica. Basta lembrar que os acordos de informações financeiras são
atualmente uma realidade, como que nãomais será possível, emcurto espaço de tempo, ama-
nutenção de ativos não declarados no exterior. Exemplo disso é o próprio Decreto 8.003/2013,
que promulgou acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para o intercâmbio de informações
relativas a tributos com lastro na legislação norte-americana (FATCA).
Em suma, estes e outros pontos são profundos e detalhados, competindo ao contribuinte veri-
ficar com atenção e cuidado as vulnerabilidades, riscos e vantagens que poderá criminalmente
obter como ingresso no regime.
ARTIGO
Repatriação de ativos: uma
cuidadosa decisão
O
cenário jurídico brasileiro apresenta atual-
mente como um de seus mais candentes te-
mas o denominado Regime Especial de Regu-
larizaçãoCambial e Tributária (RERCT). Popularmente
alcunhada de Repatriação de Ativos, a disciplina legal
do tema foi trazida pela Lei nº 13.354, de 13 de janei-
ro de 2016. Posteriormente foi regulamentada pela
instrução normativa nº 1.627 da Receita Federal, bem
comomereceu considerações por meio de Parecer da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN/CAT
1.035/2016), dentre outros informes. O programa de
regularização, a princípio possível de ingresso entre
os dias 4 de abril e 31 de outubro de 2016, suscita mui-
tas dúvidas, principalmente em razão da natureza e
do contexto da edição da lei. Afinal, quais seriam os
riscos de declarar à Fazenda a existência de ativos no
exterior e, posteriormente, ver-se alvo de medidas criminais?
Para que seja possível entender as razões de tais dúvidas, é preciso, em primeiro lugar, consi-
derar que se trata de uma norma jurídica que simultaneamente envolve assuntos próprios do
Direito Tributário e do Direito Penal. Se a dinâmica de declaração de ativos e de recolhimentos
de tributos emultas está bastante vinculada à atividade do tributarista, tambémé verdade que
a análise das circunstâncias concretas de extinção de punibilidade de certos delitos é tarefa ine-
rente aopenalista. Aqui é precisoperceber que o legislador brasileiro fez umcálculo, oqual con-
sidera, inclusive, a atual necessidade econômica e de arrecadação do País. O cidadão, portanto,
que resolver declarar aexistênciadeativos noestrangeiroe recolher ovalor previstoem lei, terá
uma contrapartida: a extinção da punibilidade, em razão da anistia, dos crimes de evasão de di-
visas, sonegação fiscal e previdenciária, falsidades documentais e algumas espécies de lavagem
de dinheiro. Trata-se, portanto, de umamedida pragmática, de custo-benefício na relação entre
o Estado e o cidadão.
A legislação, contudo, impõe certos cuidados. O primeiro deles consiste na verificação, sempre
à luz do caso concreto, da possibilidade de ingresso do contribuinte no regime. Isto porque a
própria lei veta emseu artigo 11 aquelas pessoas expostas politicamente, impedindoobenefício
daanistiaparaosocupantes, em14de janeirode2016, de cargos, empregosou funçõespúblicas
de direção ou eletivas, mesmo se exercidos por cônjuges ou parentes até o segundo grau. Tal
Por Alamiro Velludo Salvador Netto,
advogado, professor e presidente do
Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária do Ministério da Justiça