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afirmaçãode que nenhumdireito fundamental
é absoluto se tornou lugar comumna doutrina
brasileira, sobretudoapós aextensa listadega-
rantias elencadas na Constituição Federal de 1988, mas
estámanifestamente equivocada. Se é verdade que al-
guns dos direitos essenciais afirmados em nível cons-
titucional e em documentos internacionais podem ser
relativizados pelo balanceamento com outros direitos
com os quais se choquem em dadas situações, não se
pode esquecer que um direito fundamental, pelo me-
nos, deve ser sempre visto e tratado como absoluto.
E não é qualquer direito. Não se trata de algo que res-
tou afirmado por questões ideológicas ou casuísticas.
O direito fundamental absoluto é aquele fundante da
sociedade livre e, consequentemente, da democracia:
a liberdade de pensamento.
Ao longo da história da humanidade, os detentores do
poder já buscaram e alcançaram a compressão ou o
aniquilamento dos mais variados bens fundamentais.
Avida e a liberdade, por exemplo, dois dosmais precio-
sos bens, foram (e são) objeto de inúmeros mandos e
desmandos. Mas, o desejo secreto de todo tirano sem-
pre foi controlar o pensamento daqueles que ousam
pensar de forma diferente da sua. Surge, com esse de-
siderato, a doutrinação, que pode ser entendida como
a manipulação do pensamento, buscando-se suprimir
a liberdade de escolha, condicionando-se os juízos de
valor do indivíduo a premissas estabelecidas por quem atua sobre ele em uma relação de po-
der.
Os juízos que levam o indivíduo às tomadas de decisões em sua existência são estabelecidos
com base nos valores e conceitos absorvidos por ele durante a vida. É certo, também, que
sempre pesou sobre o pensamento, a influência da família, da escola, do grupo social, da reli-
gião, dos meios de comunicação à sua disposição, etc.
Mas, mesmo nesse cenário, pode-se entender assegurada a liberdade de pensamento à me-
dida que é dessa fragmentação de ideias, valores, conceitos, conhecimentos, opiniões, que
poderá cada ser humano formar sua individualidade e manifestar seus juízos de valor e pen-
samentos críticos.
O que é inadmissível é submeter uma pessoa a um procedimento deliberado, sem seu con-
sentimento válido, como fimdemoldar seu pensamento, tolhendo esse direito fundamental.
Por essa razão, a recentediscussão sobre adoutrinação ideológica nas escolas padecedeuma
enorme confusão conceitual. De um lado, tentar coibir que um professor manifeste em sala
de aula suas convicções ideológicas é um evidente atentado contra a liberdade de expressão
(da qual a liberdade de cátedra é uma espécie), pois externar os valores e as ideias que estão
impregnadas na forma de cada um pensar, nada tem a ver com doutrinação. Por outro, ad-
mitir que se estabeleça em sala de aula umamilitância política ou partidária parece umdesvio
de finalidade da proposta educacional. Mas, definitivamente, o problema não se resolve por
uma simplista e ilegítima norma proibitiva.
A solução está na reafirmação da liberdade de pensamento e de sua filha mais querida: a li-
berdade de expressão.
A sociedade que aprender a aceitá-la e protegê-la terá que desenvolver a tolerância e ganhará
o maior dos prêmios: pessoas livres, capazes de pensar e formular seus próprios pensamen-
tos de forma civilizada, gostem ou não os detentores do poder.
ARTIGO
Doutrinação Ideológica,
Escolas e Direitos
Fundamentais
Por Guilherme Alfredo de Moraes
Nostre, doutor em Direito Penal